Kiko Ribeiro conseguiu a proeza de reprogramar um dos semáforos da avenida
Paulista e deixou-o mais lento. Irritados, os motoristas viram-se
obrigados a esperar por longos oito minutos, enquanto bailarinos
descreviam uma exótica coreografia na rua ao som das
buzinas. "Não havia tempo a perder nem chance
de errar", diz Kiko.
Cada pedaço da coreografia, devidamente gravado, deveria
levar, no máximo, sete minutos e 45 segundos. Era o
tempo suficiente para que os bailarinos voltassem em segurança
para a calçada e pudessem apreciar o ar transtornado
dos motoristas, até que o semáforo voltasse
mais uma vez a ficar vermelho e a rua se transformasse num
palco por mais oito minutos.
Ainda não divulgado para as platéias em geral,
"Pé de Moleque" é um vídeo
inspirado numa coreografia infantil ("Roda Pé"),
do grupo Balangandança. Trocou-se, porém, o
palco pela rua para brincar com a idéia de os pés
recuperarem espaços ocupados por carros. Há
um toque de protesto contra o caos paulistano. "As brincadeiras
foram expulsas das ruas, que deixaram de ser um espaço
lúdico", conta Kiko, produtor de televisão
que está se especializando em videodança, modalidade
artística ainda pouco estudada no Brasil -a arte de
remodelar a coreografia a partir das possibilidades cinematográficas.
"Criam-se e recriam-se movimentos."
Até se envolver nessa mescla de cinema com dança,
Kiko teve de pôr o pé em muitas estradas. Adolescente,
não sabia o que fazer da vida e acabou em Londres para
aprender produção de televisão. Voltou
para o Brasil, trabalhou em programas de televisão
e, tempos depois, o coreógrafo Ivaldo Bertazzo o convidou
para documentar uma experiência que conduzia com adolescentes
da favela da Maré, no Rio. Candidatou-se a um patrocínio
do Instituto Cultural Itaú para projetos de videodança
e obteve os recursos para fazer "Pé de Moleque".
No ano passado, quando preparava seu trabalho, Kiko não
imaginava que as brincadeiras de criança pudessem voltar
à avenida Paulista -e não apenas nos cronometrados
oito minutos. Já no próximo mês, um trecho
da avenida, em frente ao Masp, será transformado em
rua de lazer aos domingos. Entre outras atrações
para comemorar a conquista dos pedestres, planeja-se passar,
num telão, "Pé de Moleque". Foi a
arte, ou melhor, foram os pés que viraram realidade.
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