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Com aproximadamente 120 mil habitantes
espremidos em 1 milhão de metros quadrados (dois terços
do parque Ibirapuera), Heliópolis, a segunda maior
favela da América Latina, é um laboratório
ainda desconhecido de prevenção à violência.
Nessa favela, na zona sul de São Paulo, a taxa de assassinatos
caiu, em quatro anos, pela metade.
Uma comparação entre os meses de janeiro a maio
de 2001 e o mesmo período deste ano revela uma redução
de precisamente 49% nos índices de violência.
De acordo com os dados que obtive na sexta-feira, a situação
continua a melhorar.
Um fato inusitado é suficiente para sintetizar esse
verdadeiro laboratório a céu aberto: em janeiro
passado, uma prisão desativada foi convertida em biblioteca.
O espaço é hoje freqüentado por 600 alunos,
que recebem gratuitamente aulas de inglês e computação,
além de reforço escolar.
Uma mudança tão radical de cenário -saem
os presidiários, que cumpriam pena, e entram as crianças,
que lêem para adquirir conhecimentos- compõe
uma obra de engenharia comunitária.
Enquanto Brasília, com seus "mensalões"
e "mensalinhos", parece converter-se num inesgotável
laboratório de contravenções, há
experiências como a de Heliópolis que mostram
como fazer muito com poucos recursos -a ponto de uma prisão
virar biblioteca. A esta altura, parece deboche a nova campanha
publicitária do governo federal, intitulada "Bom
exemplo: tudo começa por aí".
Já abordamos aqui o caso do Jardim Ângela, em
São Paulo, bairro considerado a região mais
violenta do planeta. De 2001 até a semana passada,
o índice de assassinatos tinha caído 75%. É
um caso semelhante ao de Diadema, que, até 2002, estava
em primeiro lugar no ranking das cidades mais violentas do
Estado de São Paulo. Desde então, a taxa de
homicídios caiu 65%.
Heliópolis, Jardim Ângela e Diadema são
alguns dos exemplos que compõem o que há de
mais engenhoso em tecnologia comunitária. Destoam,
felizmente, do clima de fim de festa brasiliense, em que a
regra, na área social, é o desperdício.
Heliópolis mostra, na prática, o retorno alto
de investimento em capital humano.
Líderes locais ajudaram a formar policiais capazes
de entender os segredos da favela.
Criou-se um posto de policiamento comunitário. Um pastor,
Carlos Altheman, coordenou as demandas por mais segurança.
"As pessoas perderam o medo e passaram a denunciar mais",
diz o pastor, autor da idéia de fazer da carceragem
uma biblioteca.
A principal associação de Heliópolis
(Unas) promove campanhas contra a violência, com passeatas
pela paz. Conseguiram atrair um dos mais importantes arquitetos
brasileiros -Ruy Ohtake- para ajudar a embelezar a paisagem
sombria. Numa das ruas principais, o arquiteto pintou todas
as casas, compondo um imenso painel colorido. "Todos
querem agora embelezar suas casas", conta Ruy.
Seguindo a receita já testada em muitos lugares para
reduzir a violência, acoplou-se, em Heliópolis,
o policiamento comunitário à maior oferta de
programas para crianças e adolescentes, nos quais se
trabalham questões como a das drogas e a da gravidez
precoce, além de ser realizada a mediação
de conflitos.
Atuando dentro da favela, o diretor da Escola Municipal Presidente
Campos Salles, Braz Rodrigues Nogueira, está conseguindo
atrair as mais diversas parcerias -inclusive a de universidades-
para ajudar em programas de complementação.
Para intensificar essa costura, Braz usa o pouco tempo vago
fazendo, de noite, um curso de pós-graduação
em pedagogia comunitária -ou seja, estuda sobre os
meios de transformar o entorno da escola em um espaço
educativo. "Muita coisa está à mão,
bem perto da gente", diz ele.
Um "case" de pedagogia comunitária foi o
roubo de todos os computadores da escola. "Não
sobrou nenhum", lembra ele, que saiu pela favela falando
com as pessoas sobre a importância dos computadores
para o aprendizado das crianças. Resultado: dois dias
depois, todos os equipamentos estavam de volta. E devidamente
instalados.
Com seu péssimo exemplo, Brasília mostra o Brasil
das impossibilidades; Heliópolis, Jardim Ângela
e Diadema, bairros devastados pela violência e pela
miséria, exibem o Brasil das possibilidades.
PS - Por falar em possibilidades, foram divulgados, na sexta-feira
passada, números sobre a queda dos índices de
violência nas escolas públicas abertas para a
comunidade nos fins de semana. Esse projeto envolve as mais
diversas parcerias: associações de bairro, governo
estadual, entidades internacionais, fundações
empresariais. É uma obra coletiva. Desde o início
do programa, caiu 36% o número de ocorrências
policiais em torno das escolas. Naquelas que desenvolveram
um projeto de protagonismo juvenil (um consórcio formado
pelo Instituto Ayrton Senna e fundações empresariais),
nas quais estudantes são capacitados para desenvolver
ações comunitárias, a queda da violência
foi ainda maior. O índice de agressões físicas
caiu 55%; o de ameaça a professores, 57%. Diminuíram
os registros de posse de arma dentro da escola (62%) e os
de depredações, 43%.
veja a pesquisa
Colunas originalmente publicadas
na Folha de S.Paulo, na editoria Cotidiano.
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