Paulo Borges era mais um anônimo
adolescente vindo do interior. Na sua curiosidade, tinha o
hábito de se divertir andando de ônibus, sem
destino. Acomodava-se num banco grudado à janela e
ia descobrindo a paisagem até chegar ao ponto final.
"Parecia um filme cheio de surpresas."
Foi um caminho sem volta: nunca mais deixou a cidade. A moda
o levou a rotas impensáveis nos centros mundiais: Milão,
Paris, Tóquio ou Nova York. Agora, ele entra em mais
uma inesperada rota, desta vez na periferia: São Miguel
Paulista, na zona leste, cuja paisagem, árida e poluída,
nada faz lembrar o charme das passarelas. Prepara-se para
desenvolver uma experiência para sofisticar o mercado
do estilismo.
Ao criar a São Paulo Fashion Week, que, neste mês,
volta a atrair dezenas de milhares de pessoas para as passarelas
da cidade, ele descobriu uma série de falhas. "Fui
percebendo que faltavam várias peças para aprimorar
a vocação da cidade para a moda."
Embora produza estilistas e cada vez mais estudantes de moda,
São Paulo é carente de diversos tipos de profissional
para a costura. Paulo Borges enxergou a chance de sofisticar
a indústria da moda e ganhar mais mercados externos:
a idéia foi montar na zona leste, região povoada
de desempregados, um núcleo para formar costureiras,
que passariam a produzir as peças no próprio
local.
Teceu-se, então, uma trama. O presidente do Centro
das Indústrias do Estado de São Paulo, Cláudio
Vaz, fez o projeto chegar aos ouvidos do empresário
Antônio Ermírio de Moraes, que se dispôs
a ceder galpões. A Fundação Votorantim,
da família Moraes, cuja missão é profissionalizar
jovens, ofereceu-se para preparar os cursos. O Centro Paula
Souza, que administra escolas de ensino médio e faculdades
de tecnologia, já deu sinal de que pode ajudar a montar
o currículo no núcleo e avaliar a qualidade
dos produtos.
A Prefeitura de São Paulo mostrou-se interessada em
atrair mais parceiros para esse arranjo destinado a valorizar
a indústria têxtil. Se a idéia der certo,
imagina Paulo Borges, os núcleos podem se espalhar
pela periferia. Apesar dos fortes padrinhos, a idéia
ainda está na prancheta -mas, a considerar o número
de pontos a serem unidos, esse é um design bem mais
complexo do que os dos modelos que desfilam neste mês
nas passarelas.
Colunas originalmente publicadas
na Folha de S.Paulo, na editoria Cotidiano.
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