Ainda criança, Aníbal ia de mãos
dadas com o pai, Geraldo Marques, acompanhá-lo ao trabalho
no Teatro Municipal. Entretinha-se nos bastidores ouvindo
as orquestras e os cantores de ópera, vendo a correria dos
atores e o pai arrumando, às pressas, o palco para o ato seguinte.
"O espetáculo para mim era toda aquela movimentação."
Aníbal foi, aos poucos, aprendendo a apreciar a beleza das
óperas. Há 26 anos, surgiu no teatro uma vaga para trocar
cenários. O candidato natural era o filho do Batucada, como
Geraldo Marques era conhecido. "Eu já sabia muita coisa."
Batucada foi, então, um pai-professor. "Ensinava todos os
truques." Tudo significava, por exemplo, o que, na gíria local,
Aníbal, apelidado de Pelé, chama de "traquitanas", a arte
de improvisar. "Não existem cursos para essas tarefas em teatro,
temos de aprender fazendo." Aprendeu não só truques técnicos.
Aprendeu também a não levar muito a sério as conversas sobre
os fantasmas do Municipal. "Muita gente diz que existem fantasmas
que abrem e fecham as portas." Tamanha era a desconfiança
que chegaram a contratar "técnicos" que, usando aparelhos,
tentaram detectar os ectoplasmas. Os "fantasmas" nunca atrapalharam
seu trabalho durante a madrugada, obrigado a preparar os cenários,
muitas vezes, sozinho.
Quando Batucada morreu, vitimado por um câncer, o filho já
se sentia em pleno domínio da arte das "traquitanas". Estudou
cenotécnica para saber não só mudar cenários mas também construí-los.
Seu grande ato, porém, está prestes a começar - mais precisamente
em agosto.
O diretor artístico do Teatro Municipal, Jamil Maluf, criou
uma central de produção para óperas num galpão de 24 mil m2,
onde está sendo realizada a recuperação de cenários antigos,
muitos dos quais em risco de deterioração, e das centenas
de figurinos, dos quais alguns são assinados por famosos artistas
plásticos brasileiros.
Aníbal não apenas será um dos principais responsáveis pelo
galpão mas também terá sob sua responsabilidade a formação
de jovens na produção dos espetáculos. Ele não acredita em
fantasmas, mas, ao se transformar em professor, tem a sensação
de que Batucada está ali presente, mostrando-lhe como ensinar
as "traquitanas" aos garotos. "Como professor, vou seguir
meu pai."
Coluna originalmente publicada na
Folha de S.Paulo na editoria Urbanidade.
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