Em entrevista publicada na terça-feira
passada na Folha, o pianista Arnaldo Cohen, reconhecido mundialmente,
disse que pensou em deixar Londres e voltar para o Rio de
Janeiro, onde nasceu. Desistiu. Não só pela
questão de segurança mas, principalmente, pela
falta de perspectivas profissionais, preferiu morar nos Estados
Unidos, onde foi convidado a dar aulas. O Brasil, segundo
ele, é "inviável" -e aqui ele não
seria reconhecido.
Cohen é um dos ícones de um dos desastres nacionais:
o desperdício de talentos, nutridos em décadas
de estudos, pesquisas e experiências.
Nações ricas como os Estados Unidos esforçam-se
para atrair talentos de todo o mundo para transformar conhecimento
em riqueza. Na sua pobreza, o Brasil subutiliza ou perde um
naco do melhor de seu capital humano.
O presidente da Fapesp (Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado de São Paulo), Carlos Vogt, informa
que o país recebe anualmente mais de 7.000 doutores.
Uma minoria deles, porém, consegue colocação
para fazer pesquisa nas empresas ou na universidade. Ficam
encostados, mal aproveitados ou até integram estatísticas,
como a divulgada na quinta-feira, de 2 milhões de desempregados
apenas na região metropolitana de São Paulo.
"É uma tristeza. Afinal, gastou-se muito dinheiro
com esses pesquisadores", lamenta Vogt, ex-reitor da
Unicamp.
É difícil conseguir bolsas para as pesquisas.
Segundo informou a mais recente edição do caderno
Sinapse, dos 16 mil pedidos de bolsa feitos ao Conselho Nacional
de Desenvolvimento Científico e Tecnológico,
apenas mil serão atendidos. Quem conseguir ganhará
a fortuna de R$ 1.267, sem direito a outro emprego.
Mais complicado ainda é entrar em uma universidade
pública. Devido ao corte de verbas, abrem-se poucas
vagas para professor. Mesmo que se consiga uma delas, o salário
é baixo. Um motorista de táxi consegue ter rendimento
parecido com o de um professor universitário iniciante.
Por conta dos temores relativos às mudanças
nas regras de aposentaria, levas de professores universitários
decidiram vestir o pijama no auge de seu vigor intelectual;
muitas das vagas não foram preenchidas. Quem não
foi para casa à espera da morte mudou-se para uma faculdade
particular, onde se paga melhor, mas a pesquisa é escassa,
para não dizer quase inexistente.
Não são poucos aqueles que, independentemente
de mudanças nas regras de aposentaria, preferiram sair
das universidades públicas, muitas delas sucateadas,
à procura de melhores posições no mercado
de ensino.
Já se nota que alunos de escolas de elite apontam
como primeira opção, em determinados cursos,
as faculdades privadas. Se essa onda de reservas e cotas para
alunos negros e de escolas públicas não tiver
como contrapartida um esforço para ajudá-los
a recuperar o que não foi aprendido, o ambiente nas
universidades públicas sofrerá mais um baque
-o que significará mais força às instituições
particulares, muitas das quais sem compromisso com a pesquisa,
que, como se sabe, é cara e demanda tempo.
Costuma-se dizer (e com uma dose de razão) que um
dos problemas das escolas públicas foi a perda dos
alunos de maior poder aquisitivo. Gerou-se, assim, um círculo
vicioso: como os ricos não estão lá,
a qualidade do ensino público deixou de ser uma preocupação
sincera dos poderosos.
É o risco que corre a vida acadêmica e científica
brasileira: afastar as elites. Para obter um título
de doutor, são necessários mais de 20 anos de
estudo. Por que os mais talentosos farão tanto esforço
se, na ponta final, não obtiverem reconhecimento profissional?
Sobraria, então, ir para fora, em um auto-exílio,
o que é uma experiência dolorosa. Quem já
morou no exterior sabe como muitos brasileiros se tornam zumbis,
não se sentem pertencentes a nenhum lugar. Sonham,
como o pianista Arnaldo Cohen, em voltar, mas temem a volta,
receosos da inviabilidade.
Talvez o pianista faça ainda mais sucesso e ganhe
ainda mais dinheiro. Mas aquela tristeza do auto-exilado não
vai sumir. A vida dele sempre será, no fundo, um pouco
desafinada.
A viabilidade de um país depende de seu capital humano.
E a riqueza do capital humano depende de que as pessoas se
sintam recompensadas por se sentirem úteis, transformando
conhecimento em riqueza -e não como se estivessem exiladas,
como se fossem estrangeiros, nunca reconhecidos em seu próprio
país.
PS - São inúmeros os depoimentos de estudantes
que fizeram os tão cobiçados MBAs e estão
à procura de emprego. Maior ainda é o número
de pessoas que, com diploma de ensino superior na mão,
acabam atuando em atividades que exigem uma qualificação
bem inferior. Há inúmeras formas de avaliar
o custo de uma crise econômica prolongada. Uma delas
é as pessoas começarem a desconfiar do conhecimento
como alavanca de progresso individual e coletivo.
Esta coluna é publicada originalmente
na Folha de São Paulo, na editoria
Cotidiano.
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