São exatos 43.337m2 de área
verde. Coisa rara numa favela, onde o crescimento desordenado
das construções costuma ser responsável
pelo desmatamento. Não é o que acontece na Vila
do Pinheiro, uma das 16 comunidades da Maré, Zona Norte
carioca. Depois de um ano de abandono, o Parque Ecológico
da Vila do Pinheiro, criado em 2002, volta a ser muito bem
cuidado. Tudo pela iniciativa dos moradores que decidiram
preservar a mata que ainda existe na comunidade e tomar conta
de tudo.
Planos para recuperar o parque não faltam. José
Ednaldo do Nascimento, 38 anos, um dos membros da associação
de moradores do Parque Ecológico da Vila do Pinheiro,
que assumiu a administração do parque, anda
buscando fechar parceria com a Pastoral da Criança
para o plantio de um canteiro medicinal.
“Queremos criar uma farmácia com remédios
feitos a partir de plantas. E dar início a formação
de mudas que possam ser plantadas em locais desmatados, como
debaixo da ponte da Linha Vermelha. Para isso, estamos pedindo
ajuda da Fundação Parques e Jardins”,
explica.
Os planos do pessoal da associação de moradores,
criada há quatro anos, também incluem criar
um curso de botânica, fazer um cadastramento das árvores
do parque e montar uma biblioteca e um museu. Por enquanto,
a idéia é que pelo menos dois funcionários
do parque freqüentem um curso profissionalizante para
mais tarde poderem repassar o que aprenderam aos demais.
Tudo começou, quando os moradores, cansados de ver
a situação de abandono em que o parque se encontrava,
resolveram agir. “Fizemos uma reunião e assumimos
por conta própria tudo isso aqui”, explica Márcio
Samary, 31 anos, presidente da associação de
moradores local. Para formalizar a decisão, associação
de moradores entrou com um pedido de adoção
à Fundação Parques e Jardins, há
quatro meses.
Agora, tal como acontece com diversas empresas, é
ela quem tem a responsabilidade de manutenção
do parque. Ao todo são sete voluntários, empenhados
em preservar a área e conscientizar a comunidade de
sua importância.
Grávida relaxa no parque
Aos poucos, estão conseguindo. O pessoal das
redondezas está voltando a redescobrir o espaço
e os garotos das vizinhanças até já disputam
por ali partidas de futebol. E terão mais um motivo
para estar lá no dia 12 de Outubro: está programado
um abraço simbólico ao parque, com atividades
e apresentação de artistas locais. Haverá
também exibição do filme Os três
zuretas, pelo projeto Cine Pop Brasil.
Vendo as mudanças, o casal de pernambucanos Josefa
Cabral da Silva, 24 anos, e seu marido Alexandre José
da silva, 26 anos, já começou a aproveitar.
O casal passou a freqüentar a área, especialmente
nos finais de semana, quando relaxa à sombra das árvores.
“Quando vim de Pernambuco, o parque ecológico
já estava meio abandonado. Mas quando a minha filha
nascer - estou com seis meses de gravidez - pretendo ver ela
brincando e se divertindo aqui. Tem sido um trabalho e tanto,
o deles. Essa é uma das belezas da Vila Pinheiro”,
fala Josefa.
Os problemas ainda são muitos. “O Parque Ecológico
da Maré ficou fechado durante um ano, o mato cresceu,
as pessoas começaram a jogar lixo no local e, sem iluminação,
a comunidade deixou de freqüentar. Todo o equipamento
que existia, sem conservação, está se
perdendo”, preocupa-se Paulo Henrique Bezerra da Silva,
18 anos, secretário da associação. Ele
lembra ainda do horto-escola que já funcionou no local.
Ilha dos macacos
Para muitos moradores, o lugar ainda traz boas recordações.
Mesmo antes de se tornar parque já era uma das poucas
áreas verdes e de lazer na comunidade. “Isso
aqui se chamava Ilha dos Macacos e funcionava como lugar de
pesquisa da Fiocruz. Cheguei a vir de barco com meu pai”,
lembra Márcio Samary. O vice-presidente da associação,
José Dioniso Barbosa, 45 anos, também tem lembranças
parecidas. “Eu vinha aqui em criança. Quando
estava com meu pai, os macacos só observavam. Mas se
eu vinha com outros garotos, os macacos corriam atrás
da gente para dar cascudo”, conta.
Não é à toa que Márcio e seu
amigos andam se mobilizando para buscar apoio e patrocinadores
para preservar todo aquele verde. “Se tiver alguma firma
ou empresário que queira entrar nessa luta pelo parque,
em troca oferecemos propaganda em outdoors beirando a Linha
Vermelha. Temos que salvar o parque urgente, antes que ele
morra de vez”, preocupa-se.
Os comerciantes locais também estão sendo convocados
a ajudar. “Quem fizer doações recebe um
certificado de Amigo do Parque e da comunidade do Pinheiro.
Nossa primeira etapa é conseguir uma roçadeira.
Basta uma pessoa para cortar o mato”, explica Luís
Carlos Santiago, 50 anos. Responsável por uma cooperativa
de reciclagem na região, também resolveu fazer
parte do grupo e ajuda a buscar doações.
Luz espanta medo
Muita coisa tem sido feita. Como toda área
andava às escuras, os voluntários da associação
de moradores se organizaram para montar uma nova iluminação
para a área. Um conseguiu os fios, outro contribuiu
com lâmpadas, outros entraram com a mão-de-obra.
Unindo esforços, fizeram mutirão para consertar
a fiação. “Ainda não está
100%, mas já melhorou bastante. Já dá
até para passar por algumas áreas sem medo”,
fala Márcio.
Wilson Bezerra da Silva, também membro da associação,
explica que nada é feito às cegas. “Estamos
sempre em contato com o pessoal da Fundação
Parques e Jardins. Quando queremos fazer uma poda de árvores
ou conserto do gradil, por exemplo, pedimos orientação
e até técnicos”, fala.
Ainda há muito ainda por fazer. O mato cresceu livremente
entre as plantas e, apesar de todos os esforços, em
algumas áreas ainda está por cortar. Nessas
horas, Márcio e José Dionísio deixam
de lado a pompa dos cargos de presidente e vice da associação
de moradores, para também arregaçar as mangas
e pegar no pesado. “Estamos fazendo milagre aqui”,
diz Márcio.
Um dos primeiros a se mexer, antes mesmo de o grupo se formar,
foi Seu Otávio José Formando, 78 aos, que há
tempos já limpara espontaneamente um canto no parque
para plantar tomate, milho e feijão. “Vendo isso,
o pessoal parou de jogar lixo”, conta, satisfeito.
A experiência com o plantio, ele traz dos anos em que
trabalhou no quartel 24º Batalhão de Infantaria
Blindada, na saída da Ilha do Governador, Zona Norte
do Rio. “Cuidava dos jardins e do campo de futebol.
Uma vez mostrei ao sargento como as plantas, antes tristes,
ficaram alegres depois que eu molhei. Lembro que ele respondeu:
‘Deus te abençoe pelo carinho. Plantas são
vida’”, diz.
Parque estava 'sinistro'
Os esforços de Seu Otávio incentivaram
outros, como Manuel José da Silva, 77 anos, que há
dois meses também tornou-se voluntário na horta
do parque. Dos muitos anos na roça, no interior da
Paraíba, Seu Manuel logo estava também fazendo
seu próprio roçado no parque. “Tudo que
sei fazer é cuidar da terra, plantar bananeira, jaca,
laranja...”, diz. Ambos recebem R$ 50 para ajuda de
custo e compra de uma cesta básica. E levam para casa
os frutos de seu trabalho. Logo, estarão fazendo a
primeira colheita de tomate.
Enquanto isso, José Perez, 44 anos, procura dar conta
das outras tarefas que aparecem. “Os moradores daqui
ficam admirados com nosso trabalho. Antes, a Fundação
Parques e Jardim tinha oito funcionários e um encarregado
geral. Agora, somos três e até o José
Ednaldo, administrador do parque, pega no pesado. Tem lugar
aqui que às vezes é preciso até dois
dias para concluir o serviço”, fala.
José Perez faz de tudo que for preciso: troca lâmpadas,
varre, poda árvores. Em troca, recebe R$ 300 mensais.
As 'bolsas' são todas pagas com a ajuda de doações
de comerciantes locais.
O mesmo que ganha Marcos Antônio Fernando, 37 anos,
que há dois meses também vem dando duro no parque.
“Todo mundo admira nosso trabalho. É legal ver
que as pessoas estão
elogiando. Até porque quando assumimos, o parque ecológico
estava sinistro, o mato tinha mais de um metro de altura e
algumas áreas estavam destruídas”, fala.
Para conseguir recursos, um dos planos da associação
é instalar um garajão - estacionamento pago
no terreno nas proximidades da B-9, beirando a Linha Vermelha.
“Aquilo lá está coberto de lixo depois
que as casas que havia no local foram desapropriadas e as
famílias removidas”, explica. Com preços
baixos, os moradores vizinhos teriam onde guardar seus carros
e a renda seria revertida para a manutenção
e em benfeitorias para o parque.
Com tanta movimentação, o marido de Josefa,
Alexandre José da Silva, acredita que tude pode voltar
a ser como era à época da inauguração.
“Isso aqui era bonito, parecia a Quinta da Boa Vista
e vivia cheio de crianças. Ainda falta muita coisa,
por isso temos que ajudar a preservar. Afinal, o parque é
de todos nós, de toda a comunidade”, conclui,
cheio de razão
BEGHA LINDEMBERG
do site Viva Favela
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