Na comunidade Vila Benjamin Constant,
na Urca (Zona Sul do Rio), pequenas mudinhas de plantas andam
fazendo a diferença na vida de alguns moradores e na
paisagem do local. Quase tão discreta quanto a própria
comunidade - situada à beira da encosta do Morro da
Babilônia -, a presença dessas mudas tem garantido
o verde e ajudado a combater os incêndios e depósitos
de lixo, antes comuns na área.
Ali o projeto Muda Verde-Reflorestamento Produtivo vem conseguindo
preservar a mata ao produzir e comercializar plantas para
gerar renda e matéria-prima para reflorestamento. A
idéia partiu de um grupo de quatro moradores.
“A gente já trabalhava há uns dez anos,
como voluntário mesmo, no reflorestamento da face Norte
do Morro da Babilônia. Conseguimos financiamento por
alguns meses, mas sempre sonhamos em tornar o projeto auto-sustentável.
Estamos tentando com a produção e comercialização
dessas mudas”, conta, orgulhoso, um dos “reflorestadores”,
Fernando Gusmão da Costa, 38 anos.
Hoje, graças à ação de pessoas
como Fernando, um terreno que servia de depósito de
lixo da comunidade deu lugar a um viveiro e a um galpão
para sediar o projeto. Num quiosque na entrada da Vila são
vendidas cerca de 60 mudas e plantas por mês, grande
parte delas para a própria comunidade. “Com a
venda, a gente consegue tirar uns R$ 200 e ainda sobra para
comprar equipamentos e manter o projeto”, conta Fernando,
que antes de iniciar as ações do Muda Verde
trabalhava como auxiliar de controle de qualidade de metais
preciosos.
Quando não estão produzindo e comercializando
mudas ou atuando na manutenção e no plantio
da região de encosta, os reflorestadores trabalham
como prestadores de serviços nas áreas de paisagismo
e jardinagem. “É dessa parte que tiramos o nosso
sustento”, conta Fernando.
Moradores ecologistas
No que dependesse dos quatro reflorestadores da comunidade,
as ações de preservação do meio
ambiente do lugar seriam ainda mais intensas. “Se a
gente tivesse algum tipo de apoio do governo, poderíamos
fazer muito mais. Não temos dinheiro para trabalhar
no reflorestamento do costão rochoso, por exemplo,
porque uma corda de montanhismo custa, em média, R$
80. Então a gente trabalha mais onde está ao
alcance, e também na manutenção”,
diz Luis Fernando Gerpe, 42 anos.
De acordo com Luis, existem vários outras pessoas
da comunidade que, assim como eles, se mobilizam para cuidar
do local. “Aqui tudo foi feito com a boa vontade do
pessoal. Temos muitos moradores ecologistas, que sobem pela
encosta com mudinhas de árvore para plantar. Semana
passada mesmo um senhor plantou oito”, conta.
Luis trabalhava como operador de telemarketing, mas teve
que abandonar a função por conta de uma deficiência
auditiva adquirida. “Prefiro mil vezes trabalhar aqui,
no meio da natureza. O nosso projeto continua porque temos
características parecidas, todos nós somos amigos
e gostamos da área ambiental”, diz.
Aluguel de plantas
Entre as espécies cultivadas no viveiro e
vendidas no quiosque estão plantas ornamentais como
pingo-de-ouro, jibóia, antúrio, felicidade,
além de fitoterápicas como boldo, erva-cidreira,
capim-limão e espécies da Mata Atlântica,
como ipê-roxo e pau-brasil. O quiosque fica aberto das
8h às 14h30. As mudas e plantas custam entre R$ 1 (muda
de hortelã) e R$ 60 (de fícus). “Depois
desta hora a rua fica praticamente vazia e não tem
sentido a gente continuar tentando vender. Então vamos
ajudar nas outras tarefas”, diz Luis.
Ele acrescenta que o projeto também trabalha com aluguel
de plantas para eventos e encomendas maiores. Cada um recebe
de acordo com a produção. “Recebemos encomenda
de dezenas de pingos-de-ouro de um posto de gasolina que fica
aqui perto. Eu avisei ao pessoal: quem produzir mais, ganha
mais. Agora temos trabalhado até às 22h para
produzir pingos-de-ouro”, diz.
Não há lugar que esteja fora do alcance das
mudas do grupo. “Recebemos encomenda de toda parte,
daqui da rua Lauro Müller, e também do Leblon,
de Ipanema. Quando as distâncias são grandes,
cobramos o frete”, explica Luis.
A divulgação do trabalho é no boca-a-boca
e no bate pernas, segundos os integrantes do grupo. “Quando
vou buscar minha filha na creche levo três cartõezinhos
do Muda Verde no bolso”, conta Luis. E acrescenta: “A
gente costuma ir até o cliente e oferecer nossos serviços.
Existem muitos quiosques de plantas por aí e a concorrência
é grande. Mas a diferença é que não
trabalhamos com revendas, produzimos nossas próprias
mudas”.
Para diversificar o cardápio de mudas, os defensores
do verde da comunidade são partidários daquele
velho ditado: “quem tem boca vai a Roma”. “Quando
descobrimos uma muda diferente, a gente pede e faz de tudo
para trazer para cá”, diz Fernando Gusmão.
No peito e na raça
O que sabem sobre plantas, os reflorestadores da
Vila Benjamin Constant aprenderam na prática. Eles
cresceram brincando no local e começaram a se preocupar
em preservá-lo ao perceber a grande incidência
de enchentes e deslizamentos de terra.
“Com as chuvas caíam barreiras, então
a gente fazia contenção com vigas que iam para
o lixo, com pedras”, diz Roney Hermenegildo, 27 anos,
que deixou pra trás o trabalho na área de vendas.
“Começou tudo no improviso, a gente sonhava com
um viveiro e agora já temos um e estamos construindo
nosso escritório, a sede do projeto”, diz.
De acordo com os envolvidos na ação, o Muda
Verde foi batizado com esse nome há cerca de três
anos, quando recebeu financiamento de convênio firmado
entre a prefeitura e a União Européia (EU),
por meio do Programa de Apoio às Populações
Desfavorecidas (APD-Rio) - o Bairrinho. Coube ao Instituto
Terranova dar o suporte técnico ao projeto. “A
gente sabia que algumas comunidades seriam beneficiadas pelo
convênio, já fazíamos esse trabalho então
elaboramos a proposta. Tivemos uns seis meses de financiamento”,
diz Fernando Gusmão.
Sábado, domingo e feriado, faça chuva ou faça
sol, os integrantes do Muda Verde contam que continuam trabalhando
no projeto. Segundo eles, seus afazeres incluem a poda de
árvores, combate às pragas, o reaproveitamento
da água da chuva para irrigação, entre
outras coisas. “Também semeamos plantas como
a leucena, que faz sombra para que possamos inserir mudas
menores como ipê, aroeira, e as frutíferas como
açaí, jabuticaba. Enfim, a gente dá uma
força pra natureza. Os cachorros, por exemplo, deixavam
fezes aqui”, diz ele, apontando para o local. “Inserimos
então a coroa de Cristo, por causa dos espinhos, e
esse problema acabou”.
Lixo e Fogo
Eles contam que já não acontecem mais
os incêndios, antes tão freqüentes. “Esta
era uma área que sempre pegava fogo, mas sanamos o
problema plantando leucena e controlando o capim colonial.
Isso sem contar com o lixo que as pessoas jogavam e agora
não jogam mais. Era carcaça de geladeira, sofá
velho, quilos de vidro, plástico”, conta Roney.
A Vila Benjamin Constant foi construída na década
de 40 para abrigar famílias de funcionários
do Instituto Benjamin Constant - tradicional instituição
que atende a deficientes visuais, na Avenida Pasteur - e hoje
conta com cerca de 140 casas.
Os reflorestadores se orgulham de manter no lugar uma área
natural para o lazer. “Tenho 3 filhos, o meu de 14 anos
não sai daqui. Os casaizinhos também adoram
subir a região de encosta para namorar”, diz.
Com otimismo, o grupo segue com as ações. “Com
todo esse trabalho ainda tenho que fazer bico de garçon,
mas se o Brasil com 500 anos ainda é um bebê,
imagina então a nossa empresa, que só tem quatro
anos. Batalhamos para conquistar o nosso espaço e temos
que continuar”, conclui Luis.
JULIA DUQUE ESTRADA
do site Ecopop
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