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Revelação cultural
24/06/2004
Projeto cria ponte entre cidadão do asfalto e morro carioca

Dar um novo foco para o cotidiano das comunidades das favelas do Rio de Janeiro foi o que motivou o jovem fotógrafo Vincent Rosenblatt a criar a ONG Olhares do Morro, localizada no coração do morro Santa Marta. Um verdadeiro núcleo de criação de imagens, onde moradores de comunidades do Vidigal, Rocinha e Santa Marta aprendem a documentar pela arte da fotografia a intensa vida social e cultural das favelas, na intenção de explorar o que a mídia teima em não mostrar para o grande público.

Dar um novo foco para o cotidiano das comunidades das favelas do Rio de Janeiro foi o que motivou o jovem fotógrafo Vincent Rosenblatt a criar a ONG Olhares do Morro, localizada no coração do morro Santa Marta. Um verdadeiro núcleo de criação de imagens, onde moradores de comunidades do Vidigal, Rocinha e Santa Marta aprendem a documentar pela arte da fotografia a intensa vida social e cultural das favelas, na intenção de explorar o que a mídia teima em não mostrar para o grande público. O projeto é grandioso e conta com o olhar sensível e coletivo de pessoas que querem e sentem a necessidade de se expressar para o mundo. Tudo sob o olhar apurado de um estrangeiro de apenas 31 anos de idade, cheio de garra e entusiasmo que, além de amante da fotografia, se apaixonou pela história e comportamento de pessoas que, muitas vezes, sofrem vários tipos de discriminação. Destaque para a exposição da ONG, Olhares do Morro – Um Manifesto Visual, em cartaz no Espaço Furnas Cultural, em Botafogo, até dia 27 de junho.

Quando surgiu Olhares do Morro. E de onde veio a idéia desta iniciativa?

Faz dois anos que estamos em atividade. Quando estive no Brasil pela primeira vez, em 1999, me senti tocado com a realidade vivida nas favelas tanto em São Paulo como no Rio de Janeiro. Estudava na Escola Superior de Belas Artes de Paris e vim fazer um intercâmbio aqui que deveria durar três meses. Me beneficiei do programa “Residência de Artista”, do Serviço de Cultura do Consulado da França no Rio de Janeiro. Meu encanto foi tanto pela riqueza cultural deste povo e tamanho meu interesse pela problemática social e ambiental, que acabei ficando nove meses. Em 2000, voltei para a França e no ano seguinte estava outra vez no Brasil. Foi uma época em que fiz algumas reportagens e comecei a idealizar o que viria a se chamar Olhares do Morro.

O que fazia quando morava na França?

Trabalhava em coberturas jornalísticas, principalmente para a imprensa francesa. Fiz muitas reportagens no leste da Europa, paralelamente ao meu trabalho pessoal de expressão fotográfica. Posso dizer que tenho uma experiência em duas áreas que normalmente se comunicam pouco: de um lado, o documento, o jornalismo, e do outro, a fotografia inserida no mercado da arte contemporânea. Daí uma grande abertura – sem preconceito – sobre o que deveria ser “uma boa fotografia” dentro do nosso Núcleo de Expressão Visual.

O objetivo principal do projeto é capacitar os moradores formando uma rede de correspondentes dentro das comunidades, para a criação de um acervo de imagens. Qual a idade destes moradores? Qual a finalidade deste acervo de imagens?

Em geral os participantes do projeto são jovens com faixa etária entre 15 e 29 anos. Com este acervo em constante crescimento, produzido pelos jovens autores, tentamos conquistar um espaço na mídia para outras imagens, longe do monopólio das representações da violência que predominam quando o tema é favela. São imagens criativas que mostram as reivindicações dos moradores, o lado da vivencia, do cotidiano, a riqueza das culturas fervendo nesses bairros. De fato, quem mora na favela – falo da imensa maioria que não tem a ver com o tráfico – não pode se identificar com a imagem que a grande mídia reflete. Pelo contrário, nosso trabalho tende a resgatar a auto-estima.
No “asfalto”, pessoas que nunca entraram numa favela estão constantemente assustadas com o que vêm nas capas de jornais e na TV. Essa exposição, nosso “Manifesto Visual”, constitui uma ponte de encontro entre os cidadãos do asfalto e dos morros do Rio de Janeiro.

Entretanto, a emergência para juventude das favelas é conseguir uma renda. Então, o objetivo principal da nossa Agência de Imagens das favelas é de responder a demanda nacional e internacional de fotografias deste tema através de acesso virtual, exposições itinerantes e edição de livros. Comercializamos estas imagens para jornais e revistas, grandes empresas (com atividades editoriais voltadas para responsabilidade social), agências de publicidade, ONGs, veículos de comunicação, coleções públicas e privadas e para quem se interessar. Também, longe de se restringir aos morros, os jovens fotógrafos recebem encomendas para reportagens diversas. Quando uma imagem é vendida, 60% do valor vai para o autor, 40% para a ONG como forma de manter as atividades, comprar os insumos da fotografia e contribuir com o pagamento dos cursos que conseguimos para os jovens em instituições conceituadas, como o Ateliê da Imagem, na Urca.

Como se processam as aulas de fotografia nas comunidades? Que tipos de profissionais estão envolvidos?

O Núcleo está aberto de quarta a domingo, de 14h às 18 h. Os monitores do projeto – antigos alunos experientes – repassam aos novatos o aprendizado recebido no Ateliê da Imagem. Esta conceituada escola de fotografia concede cursos com custo menor para os alunos mais motivados do nosso Núcleo de Expressão Visual (NEV). Dentro do NEV-1, no morro, o jovem autor aprende o básico da fotografia, manuseio de câmeras, revelação de filmes e ampliação. Também, uma iniciação a digitalização das imagens e Photoshop. O objetivo é saber controlar todas as etapas de produção das fotografias. Uma tarde por semana, temos uma oficina de redação, com apoio de jornalistas profissionais, que ajudam a desenvolver as matérias que acompanham as imagens. Recebemos regularmente artistas brasileiros ou estrangeiros, repórteres conceituados que vêm dar aulas e voluntários que ministram palestras variadas. Muitos profissionais do mundo da imagem se cadastram e entram em contato através do nosso site.

Por que o local escolhido para esse pólo foi o morro Santa Marta?

Fui convidado, em junho 2002, a dar uma palestra em um curso de liderança que estava sendo realizado na Associação de Moradores. Foi nesta ocasião que distribuí as primeiras câmeras descartáveis e conheci os primeiros jovens autores. Com alguns desses primeiros alunos constituí o Núcleo de Expressão Visual.

Quem apóia Olhares do Morro? De que maneira?

Estamos tecendo, aos poucos, uma rede de parcerias na cidade com empresas de excelência do mundo da imagem: grandes laboratórios, como a SpeedLab e Studio Oficina, escolas – já falei do Ateliê da Imagem. A Selulloid AG, agência de comunicação customizada (editora da Revista da Oi, entre outros produtos de alta qualidade), até empresas de transporte de obras de arte. Recebemos apoio da FNAC Barra Shopping e apoio institucional da Unesco (vamos expor na sede mundial, em Paris, em outubro deste ano) e do Consulado da França. Devo citar também as empresas que fazem nossa assessoria empresarial, contabilidade e auditoria: a Maximum Services e a High Quality, que garantam o profissionalismo da nossa administração. Tentamos sempre aprimorar nossas relações com as empresas do ciclo de produção das imagens - os empresários aprendem a conhecer os jovens do projeto,e surgem estágios e até empregos: a Speedlab, por exemplo, convidou na semana passada um aluno do Vidigal para trabalhar. Sabemos que não são todos jovens que vão conseguir viver da fotografia, mas dentro do grupo, pode surgir um excelente produtor gráfico, um mestre da Arte Digital, um especialista da restauração das fotografias, um outro será webmaster e outros webdesigners... Quero dizer, são atividades de alta tecnicidade que pagam bem. É disso que os jovens das comunidades de baixa renda precisam. Ter acesso a formação e empregos do tipo “primeiro mundo”. Infelizmente, até hoje não conseguimos um grande patrocinador ou investidor. Mas, graças ao apoio (muitas vezes sob forma de serviços e permuta) das pequenas e médias empresas, conseguimos manter a atividade. É uma luta sem trégua, mas nunca vamos desistir, pois o projeto é valido.

Quantas pessoas estão cadastradas neste projeto?

Neste momento particular de recursos fracos, só podemos receber 15 jovens autores. Mas, no acervo da nossa agência de imagem, já existem fotos de 40 pessoas que passaram pelas aulas do Núcleo. Sem contar com os profissionais da área de design e comunicação visual, e a participação do ensino voluntário dos profissionais que se cadastraram pelo site. Para participar é só preencher uma ficha no nosso site – www.olharesdomorro.org. Uma observação que cabe aqui é que tem muita gente “do asfalto”, jornalistas e fotógrafos, que querem dedicar algumas horas para dar aulas.

E pela sua experiência, qual a relação destes moradores com a fotografia?

Ter uma máquina nas mãos significa poder mostrar para o mundo o que muita gente não sabe. Mostrar, por exemplo, que em um espaço cheio de becos e vielas, há um morador “arquiteto” do seu lar, que dribla a adversidade e improvisa seu abastecimento de água e seu saneamento básico. Mostrar o carinho e a intimidade, as relações interpessoais de uma comunidade. Mostrar ainda que o povo das favelas, com sua miscigenação, também embeleza as praias do Rio. No Santa Marta, ter jovens percorrendo o morro com câmera na mão já é cultura, faz parte da paisagem e ninguém estranha. Para ter uma mídia representativa e legítima no país, precisamos ter mais jornalistas oriundos das classes populares. Nosso núcleo é um viveiro de onde vão surgir esses novos talentos.

Além de Santa Marta, Vidigal e Rocinha, vocês pretendem estender as atividades de Olhares do Morro?

A intenção é constituir uma rede - sempre aberta a novos talentos - de correspondentes / alunos em várias favelas do Rio. Queremos atingir os jovens da Zona Oeste também, da Zona Norte. Dar uma maior representatividade ao acervo da nossa Agencia de Imagens das Favelas, além de implantar um outro núcleo no asfalto. Nesse novo espaço, as aulas serão também abertas para alunos de maior poder aquisitivo, que ajudarão a manter os ensinamentos dos jovens nas favelas. E será bem mais fácil para receber os professores voluntários.

Além do site, da exposição, através de que outros canais vocês divulgam o trabalho?

Além da comercialização de nossa produção pelo site www.olharesdomorro.org, em breve teremos produtos derivados. Cartões postais e camisetas a serem comercializados. A edição de um livro também está em desenvolvimento.

Como foi a articulação para a montagem da exposição no Espaço Furnas Cultural?

Furnas nos ofereceu um verdadeiro presente, patrocinando toda realização da exposição assim como a campanha de divulgação. Ter um bom trabalho para mostrar não adianta, se não tem assessoria de comunicação e publicidade para fazer chegar a informação até o publico. Quer dizer que trabalhar com Furnas foi ótimo. A equipe da Coordenação de Responsabilidade social é extremamente profissional. O fato do escritório central de Furnas estar quase na frente da comunidade de Santa Marta ajudou bastante – pois a empresa tem naturalmente como uma de suas prioridades atuar nas áreas carentes da vizinhança.

Como você classificaria a exposição Olhares do Morro – Um Manifesto Visual?

A exposição retrata uma arquitetura peculiar, que sabe tão bem driblar obstáculos topográficos: valoriza os moradores como os autores do espaço onde eles vivem, ao contrario da cidade “planejada” do “asfalto”. Além de questões ambientais e saneamento básico, sem deixar de lado a ginga, a alegria e os maneirismos dos moradores deste espaço em perpétua evolução. Pode ser apenas uma “gota d´água” contra um oceano de imagens da violência, mas a felicidade nos olhos do público e os inúmeros parabéns deixados no livro dos visitantes nos indicam que estamos no caminho certo.

Além de livros, exposições e Internet, quais são os outros projetos da ONG Olhares do Morro – fotografia e cidadania ? O que já está em andamento?

O próximo passo será conseguir um espaço ‘no asfalto’ para dar uma sede à nossa Agência de Imagens das Favelas e acolher alunos de todas elas, independentemente das lutas de facções. Um espaço neutro onde todos vão poder se encontrar. Essa agência e escola, o NEV J - Núcleo de Expressão Visual e Jornalismo, será um espaço de capacitação permanente e permitirá a participação e ensino de outros profissionais e artistas, com acesso mais fácil que o atual núcleo no morro. Por isso, temos agora que convencer nossos atuais parceiros e novos investidores, além de lutar para alcançar a sustentabilidade. Desenvolver produtos derivados, vender mais imagens. Neste sentido, estamos bem perto de fechar uma parceria com uma grande agência de imagens internacional, para atingir muito mais clientes para nossa produção. O intuito é de ter uma visão macro de toda a cadeia de produção e distribuição das imagens. Desde o aprendizado no morro, o aperfeiçoamento nas escolas e empresas parceiras, até a comercialização via Internet, tentando atender nossos clientes com o máximo de profissionalismo, numa abordagem empresarial.

 

As informações são do site www.goldeletra.org.br.

 
 
 

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