Por trás
de grande parte das intervenções socioculturais
feitas em favelas cariocas está o Grupo Cultural Afro
Reggae. E por trás da ONG (organização
não-governamental) criada há 11 anos está
José Júnior, 36.
Empreendedor compulsivo, que projeta na fala rápida
sua ansiedade, Júnior não precisou de diploma
para se afirmar como uma das lideranças dos movimentos
sociais do Rio. Tem trânsito com políticos de
todas as tendências, artistas idem e socialites.
Seu maior orgulho é ter conseguido evitar que centenas
de jovens se rendessem ao tráfico de drogas.
Centralizador assumido, supervisiona todas as atividades da
ONG. A mais famosa delas é a banda AfroReggae, que,
acompanhada pelo padrinho Caetano Veloso, tocou neste mês
no Carnegie Hall, em Nova York.
No exterior, o nome Afro Reggae está cada vez mais
conhecido. Em julho, por
exemplo, chega ao Rio um grupo de 80 jovens da Dragon School,
da elite britânica, para conhecer o trabalho da ONG
nas favelas cariocas. Na entrevista a seguir, ele comenta
a guerra na Rocinha (favela em São Conrado, na zona
sul), critica a volta do Exército às ruas e
elogia Anthony Garotinho, secretário de Segurança
Pública do Estado do Rio e ex-governador.
Folha - Como você viu a volta da violência
à Rocinha, com a guerra pelo controle do tráfico?
José Júnior - A Rocinha tinha
o tráfico mais bem armado, mas não tinha cultura
de guerra. Foi por isso que a facção rival conseguiu
entrar e fazer aquele estrago. Segundo o que eu sei, morreu
até mais gente do que foi dito.
Talvez a Rocinha tenha sido a última favela romântica,
da extinta Falange Vermelha.
No sentido de que tinha uma ação assistencialista,
bandidos amados. Não existe mais bandido amado. Nós
fizemos um trabalho lá durante um ano, em 2001, e vimos
que era uma favela atípica. Foi a primeira favela a
ter banco. Até agora, era a menos conturbada das favelas.
Folha - Como enfrentar o tráfico
sem ser pela repressão policial?
José Júnior - O problema é
que ninguém gera mais emprego que o tráfico
em subúrbios e favelas. Tem sempre vaga, porque há
muitas mortes e prisões.
Desde que a gente criou o Afro Reggae, há 11 anos,
eu ouço que o que resolve é educação.
Mas hoje eu acho que o que resolve é emprego. Não
posso chegar para um cara de 38 anos e dizer que ele precisa
voltar a estudar para trabalhar. A educação,
infelizmente, ficou em segundo plano.
Muita gente vai para o tráfico porque tem fome. Há
uma ilusão de que os caras do tráfico ganham
muito. Mas tem muita gente ganhando R$ 100, R$ 150. É
um grande erro chamar esses caras de traficantes. Eles são
só vendedores de drogas. Já teve gerente de
boca-de-fumo pedindo emprego para mim por R$ 450.
Folha - O Exército deverá
novamente atuar nas ruas do Rio. É uma boa medida?
José Júnior - A Operação
Rio, que aconteceu há dez anos, é a prova de
que não dá certo. Quem vai para a rua é
o recruta, o praça, o soldado. Esses garotos não
estão preparados para isso. E, para piorar, eles moram
todos em comunidades. Ou seja, ainda ficam em situação
de risco.
Folha - Ofertas de emprego dependem de crescimento
econômico. Não há ações
de emergência?
José Júnior - Eu só
vejo geração de renda. O que leva o indivíduo
para a criminalidade é a falta de perspectiva. Quando
aparece um negro na TV, ou um nordestino, ou um mestiço,
o que você vê? Ele está preso, chorando,
reclamando que o barraco desabou.
Mas já quando você vê o Jonathan Haagensen
[do filme "Cidade de Deus"]) é outra coisa.
Ele é modelo, desfilou em Paris, e é negro e
oriundo do Vidigal. Quando você vê o Heraldo Pereira
apresentando o "Jornal Nacional", é importante.
O MV Bill, quando fica 40 minutos no "Faustão"
sem prostituir sua ideologia, é muito importante. Essa
entrada na mídia é fundamental. No país
todo, quando encontro gente do tráfico, pergunto quais
são os ídolos deles, e a resposta é:
Elias Maluco, Fernandinho Beira-Mar, Osama Bin Laden.
Folha - Você apóia as ações
que a polícia tem feito nas favelas? O que achou da
imagem de um corpo sendo carregando num carrinho de mão
pela Rocinha?
José Júnior - Diante de arbitrariedades
que a polícia normalmente comete no Brasil, como mostramos
no clipe da música "Tô Bolado", o carrinho
não é nada. Mataram um cara, o cara está
com o corpo duro, desceram no carrinho. É uma foto
de impacto, claro, mas tem coisas piores.
Muita gente não vai concordar comigo, mas a polícia
tem melhorado com o Garotinho. Eu acho que, hoje, o policial
tem medo. Pode ser populismo, mas ele bate muito na polícia.
Eu nunca tinha visto um secretário fazer isso. Nunca
se exonerou tanto nem se contratou tanto. Só que o
governo não vai resolver o problema só focando
em segurança pública. O que é necessária
é a união das quatro esferas de poder: o poder
público, a sociedade civil, as empresas privadas e
a mídia. O Viva Rio [ONG] é um produto desses
quatro poderes.
Folha - Excetuando o poder público,
o que as outras esferas que você citou podem fazer?
José Júnior - Por que os empresários
não abrem mão de um pouquinho do que ganham?
Será que a classe artística não poderia
dar 1% de seus cachês? A Firjan [Federação
das Indústrias do Rio de Janeiro] criou o Núcleo
de Responsabilidade Social, está com vontade de dialogar.
A Fecomércio [Federação do Comércio
do Rio de Janeiro], idem. Quem imaginaria há 15 anos
que a Rede Globo daria R$ 10 milhões em mídia
para o Afro Reggae? Ou teria uma negra protagonizando uma
novela? As coisas estão mudando. Se a moda é
construir muros, nós temos que construir pontes.
LUIZ FERNANDO VIANNA
da Folha de S.Paulo
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