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trabalho
01/03/2004
Reforma pode flexibilizar leis trabalhistas

A reforma sindical desenhada pelo Fórum Nacional do Trabalho vai dar mais poderes às centrais e limitar ações dos sindicatos -um perigo para os trabalhadores, na análise de especialistas. O temor é que a cúpula das centrais acabe cedendo a pressões do governo e aceite negociar direitos individuais dos trabalhadores.

"O que parece grave nesta reforma é que foi aberto caminho para que as centrais sindicais negociem direitos garantidos", afirma Luis Carlos Moro, presidente da Associação Latino-Americana de Advogados Trabalhistas (Alal).

Isso ocorreria por meio de acordos que as centrais podem fazer nos contratos coletivos nacionais. Hoje, são os sindicatos -que estão na base da pirâmide do movimento sindical e, portanto, representam a última instância nessa hierarquia- que negociam em nome dos trabalhadores.

O Fórum Nacional do Trabalho foi instalado no primeiro semestre do ano passado para que trabalhadores, patrões e governo discutissem a reforma sindical a ser enviada ao Congresso.

Ao tomar conhecimento da proposta do novo modelo de organização sindical, com as centrais no topo da pirâmide, Moro constata que essas entidades terão poderes para, se assim desejarem, negociar direitos dos trabalhadores, como 13º e FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço).

A preocupação de que isso venha a acontecer ganhou força após afirmação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no mês passado, de que direitos podem ser negociados, com exceção das férias de 30 dias.

"Mesmo que não se mexa nos direitos individuais dos trabalhadores, estabelecidos no artigo 7º da Constituição, as centrais sindicais vão poder negociar direitos com as mudanças que serão feitas no artigo 8º da Constituição, que trata da organização sindical. Elas terão poder para isso", diz Moro.

Documento do grupo de organização sindical de trabalhadores mostra que o objetivo é "permitir que as centrais possam constituir suas estruturas verticais" e "fortalecer as centrais sindicais como entidades nacionais e órgãos de direção do movimento sindical".

O fato de as centrais passarem a ser reconhecidas juridicamente e, portanto, terem poder para negociar em nome dos trabalhadores preocupa alas da CUT (Central Única dos Trabalhadores) ligadas à esquerda. "A transferência de poder de negociação dos sindicatos para as centrais é horrível para o trabalhador e joga no lixo um princípio da CUT, que é o de defender a soberania das assembléias de base", diz José Maria de Almeida, diretor-executivo da Executiva Nacional da CUT.

Para ele, é o trabalhador que tem de decidir o que se negocia em seu nome e o que colocar numa convenção coletiva. "Na nova estrutura sindical não há nada que diga que essas negociações têm de ser aprovadas em assembléias. Isso é muito ruim, pois deixa para a direção das centrais o poder de decisão", diz Almeida.

Correntes sindicais de esquerda da CUT já manifestaram no passado interesse em transformar sindicato regional em uma organização nacional com a intenção de aumentar o poder de negociação em nome dos trabalhadores, o que não foi para a frente. "Agora a CUT tem o apoio do governo e dos empresários para implementar o que já queria, a subordinação dos sindicatos", diz.

O banco de horas, por exemplo, iniciativa que flexibilizou a jornada de trabalho em troca na manutenção de empregos, é algo aceito pelas centrais e contestado por parte das correntes que atuam dentro da entidade. "Se as centrais obtiverem o direito de negociar e contratar sem ouvir a base, elas podem flexibilizar direitos que estão na CLT [Consolidação das Leis do Trabalho] atrás da própria negociação. Isso gerou um terremoto na base da CUT", afirma Almeida.

Reação
Sindicatos descontentes com o andamento da reforma sindical marcaram para 13 e 14 de março um encontro em Brasília para lançar um movimento contra o modelo sindical delineado no fórum. "A reforma fere um princípio da OIT [Organização Internacional do Trabalho], que é o da liberdade sindical. A criação de sindicatos agora terá de ser autorizada pela central", diz Almeida.

Para Jorge Luís Martins, diretor da Executiva da CUT que disputou com Luiz Marinho a eleição da central, a organização sindical proposta pelo fórum "engessa" o movimento sindical.

O fortalecimento das centrais, no entanto, segundo especialistas ligados ao Cesit (Centro de Estudos Sindicais da Unicamp), tem seu lado positivo porque combate a pulverização sindical. Mas é preciso, afirmam, que a nova estrutura possibilite a criação de instituições sólidas, com capacidade para negociar. E que haja mecanismos de aferição e consultas para referendar acordos mais gerais.

As regras da nova estrutura sindical não estão claras, mas o que se espera é que os sindicatos tenham o espaço de negociação preservado. As centrais não vão substituir os sindicatos, mas vão estabelecer parâmetros. E está previsto nos acordos mais gerais que elas indicam quais questões podem ser negociadas em âmbito local. O sindicato perde um pouco do seu poder absoluto de autonomia nas negociações, mas ganha nos acordos mais amplos.

Na avaliação do professor da USP Arnaldo Mazzei Nogueira, da área de relações do trabalho, o governo Lula está, com a reforma sindical, promovendo "a ascensão "institucionalizada" do movimento sindical brasileiro." "Apesar da crise de desemprego, que afeta brutalmente a ação e o poder de negociação dos sindicatos, no Brasil eles têm sido valorizados, seja com a conduta do governo, seja com a reforma sindical."

Essa valorização, diz o professor, decorre em função de vários fatores: 1) o atual governo tem 45 líderes sindicais da CUT em cargos importantes, 2) foi eleito com apoio maciço do movimento sindical e 3) permitiu aos sindicatos ampliarem sua atuação -como negociar juros com os bancos para fornecer aos trabalhadores empréstimos consignados em folha de pagamento das empresas.

"O grande erro do governo FHC foi ter atropelado os sindicatos e tentar flexibilizar a legislação sem apoio do movimento sindical", afirma. "Com a proposta do fórum, o governo Lula reconhece as centrais, acomoda essas entidades na atual estrutura, para só depois discutir a reforma trabalhista."



 


FÁTIMA FERNANDES
CLAUDIA ROLLI
da Folha de S. Paulo

   
 
 
 

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