A reforma sindical desenhada pelo
Fórum Nacional do Trabalho vai dar mais poderes às
centrais e limitar ações dos sindicatos -um
perigo para os trabalhadores, na análise de especialistas.
O temor é que a cúpula das centrais acabe cedendo
a pressões do governo e aceite negociar direitos individuais
dos trabalhadores.
"O que parece grave nesta reforma é que foi aberto
caminho para que as centrais sindicais negociem direitos garantidos",
afirma Luis Carlos Moro, presidente da Associação
Latino-Americana de Advogados Trabalhistas (Alal).
Isso ocorreria por meio de acordos que as centrais podem
fazer nos contratos coletivos nacionais. Hoje, são
os sindicatos -que estão na base da pirâmide
do movimento sindical e, portanto, representam a última
instância nessa hierarquia- que negociam em nome dos
trabalhadores.
O Fórum Nacional do Trabalho foi instalado no primeiro
semestre do ano passado para que trabalhadores, patrões
e governo discutissem a reforma sindical a ser enviada ao
Congresso.
Ao tomar conhecimento da proposta do novo modelo de organização
sindical, com as centrais no topo da pirâmide, Moro
constata que essas entidades terão poderes para, se
assim desejarem, negociar direitos dos trabalhadores, como
13º e FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço).
A preocupação de que isso venha a acontecer
ganhou força após afirmação do
presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no mês
passado, de que direitos podem ser negociados, com exceção
das férias de 30 dias.
"Mesmo que não se mexa nos direitos individuais
dos trabalhadores, estabelecidos no artigo 7º da Constituição,
as centrais sindicais vão poder negociar direitos com
as mudanças que serão feitas no artigo 8º
da Constituição, que trata da organização
sindical. Elas terão poder para isso", diz Moro.
Documento do grupo de organização sindical
de trabalhadores mostra que o objetivo é "permitir
que as centrais possam constituir suas estruturas verticais"
e "fortalecer as centrais sindicais como entidades nacionais
e órgãos de direção do movimento
sindical".
O fato de as centrais passarem a ser reconhecidas juridicamente
e, portanto, terem poder para negociar em nome dos trabalhadores
preocupa alas da CUT (Central Única dos Trabalhadores)
ligadas à esquerda. "A transferência de
poder de negociação dos sindicatos para as centrais
é horrível para o trabalhador e joga no lixo
um princípio da CUT, que é o de defender a soberania
das assembléias de base", diz José Maria
de Almeida, diretor-executivo da Executiva Nacional da CUT.
Para ele, é o trabalhador que tem de decidir o que
se negocia em seu nome e o que colocar numa convenção
coletiva. "Na nova estrutura sindical não há
nada que diga que essas negociações têm
de ser aprovadas em assembléias. Isso é muito
ruim, pois deixa para a direção das centrais
o poder de decisão", diz Almeida.
Correntes sindicais de esquerda da CUT já manifestaram
no passado interesse em transformar sindicato regional em
uma organização nacional com a intenção
de aumentar o poder de negociação em nome dos
trabalhadores, o que não foi para a frente. "Agora
a CUT tem o apoio do governo e dos empresários para
implementar o que já queria, a subordinação
dos sindicatos", diz.
O banco de horas, por exemplo, iniciativa que flexibilizou
a jornada de trabalho em troca na manutenção
de empregos, é algo aceito pelas centrais e contestado
por parte das correntes que atuam dentro da entidade. "Se
as centrais obtiverem o direito de negociar e contratar sem
ouvir a base, elas podem flexibilizar direitos que estão
na CLT [Consolidação das Leis do Trabalho] atrás
da própria negociação. Isso gerou um
terremoto na base da CUT", afirma Almeida.
Reação
Sindicatos descontentes com o andamento da reforma sindical
marcaram para 13 e 14 de março um encontro em Brasília
para lançar um movimento contra o modelo sindical delineado
no fórum. "A reforma fere um princípio
da OIT [Organização Internacional do Trabalho],
que é o da liberdade sindical. A criação
de sindicatos agora terá de ser autorizada pela central",
diz Almeida.
Para Jorge Luís Martins, diretor da Executiva da CUT
que disputou com Luiz Marinho a eleição da central,
a organização sindical proposta pelo fórum
"engessa" o movimento sindical.
O fortalecimento das centrais, no entanto, segundo especialistas
ligados ao Cesit (Centro de Estudos Sindicais da Unicamp),
tem seu lado positivo porque combate a pulverização
sindical. Mas é preciso, afirmam, que a nova estrutura
possibilite a criação de instituições
sólidas, com capacidade para negociar. E que haja mecanismos
de aferição e consultas para referendar acordos
mais gerais.
As regras da nova estrutura sindical não estão
claras, mas o que se espera é que os sindicatos tenham
o espaço de negociação preservado. As
centrais não vão substituir os sindicatos, mas
vão estabelecer parâmetros. E está previsto
nos acordos mais gerais que elas indicam quais questões
podem ser negociadas em âmbito local. O sindicato perde
um pouco do seu poder absoluto de autonomia nas negociações,
mas ganha nos acordos mais amplos.
Na avaliação do professor da USP Arnaldo Mazzei
Nogueira, da área de relações do trabalho,
o governo Lula está, com a reforma sindical, promovendo
"a ascensão "institucionalizada" do
movimento sindical brasileiro." "Apesar da crise
de desemprego, que afeta brutalmente a ação
e o poder de negociação dos sindicatos, no Brasil
eles têm sido valorizados, seja com a conduta do governo,
seja com a reforma sindical."
Essa valorização, diz o professor, decorre
em função de vários fatores: 1) o atual
governo tem 45 líderes sindicais da CUT em cargos importantes,
2) foi eleito com apoio maciço do movimento sindical
e 3) permitiu aos sindicatos ampliarem sua atuação
-como negociar juros com os bancos para fornecer aos trabalhadores
empréstimos consignados em folha de pagamento das empresas.
"O grande erro do governo FHC foi ter atropelado os
sindicatos e tentar flexibilizar a legislação
sem apoio do movimento sindical", afirma. "Com a
proposta do fórum, o governo Lula reconhece as centrais,
acomoda essas entidades na atual estrutura, para só
depois discutir a reforma trabalhista."
FÁTIMA FERNANDES
CLAUDIA ROLLI
da Folha de S. Paulo
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