Desde
o começo de maio, um grupo de intelectuais, editores,
donos de livrarias, escritores e livreiros tem se reunido
para discutir um aspecto da literatura mais ligado aos números
que às letras. As discussões acaloradas já
chegaram a Brasília e movimentam advogados em torno
de uma questão econômica: livros e periódicos
importados devem pagar 9,25% de PIS/Cofins ao chegar ao Brasil.
A decisão foi tomada após votação
da Lei 10.865 (modificação da Medida Provisória
164/04), que passou a vigorar no dia 1º de maio e que
dispõe sobre a contribuição para os programas
de integração social (PIS), de formação
do patrimônio do servidor público e para o financiamento
da seguridade social (Cofins) incidentes sobre a importação
de bens e serviços.
Autor de uma emenda para restabelecer a isenção
constitucional aos livros e periódicos importados,
o deputado Pedro da Silva Corrêa (PP-PE) acredita que
o prejuízo intelectual poderá ser maior do que
o das livrarias.
"O impacto sobre o desenvolvimento da pesquisa no país
será desastroso. Precisamos permanecer integrados e
atualizados com a produção de conhecimento do
mundo inteiro. O Brasil não pode se isolar desse jeito",
protesta.
Ele não é o único político a
defender a isenção dos livros e periódicos.
O presidente do Senado, José Sarney (PMBD-AP), informa
que já está conversando com o governo para tentar
reverter a cobrança da alíquota. O deputado
Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR) apresentou emenda à Lei
10.865 semelhante à proposta de Pedro Corrêa,
e o deputado Delfim Netto (PP-SP) declara-se contra a tributação
de livros e periódicos.
De acordo com o técnico tributarista Antônio
Marcos, que auxiliou o deputado federal Mário Negromonte
(PP-BA) a elaborar o projeto de lei de conversão que
seguiria para votação no Senado, a alíquota
zero para livros e periódicos havia entrado no texto
original do projeto que saiu da Câmara dos Deputados.
Mas o Senado discordou e retirou o dispositivo que garantia
a isenção. Relator da comissão que participou
da votação no Senado, o senador Romero Jucá
(PMDB-RR) não explica em seu relatório por que
os dispositivos foram retirados.
"O governo tem direito de fazer modificações,
foi o que aconteceu", explica o porta-voz do gabinete
de Negromonte.
"Isso é um obscurantismo, uma volta ao período
das trevas, em que o governo se mostra indiferente à
ciência, à cultura e à pesquisa",
dispara Hauly.
Milena Piraccini Duchiade, secretária da Associação
Estadual de Livrarias do Rio de Janeiro, que congrega as principais
livrarias do estado, envia cartas e e-mails aos políticos
alertando sobre as complicações que a taxação
tem causado. Sócia da livraria Leonardo da Vinci, no
Centro do Rio, cujo acervo tem 60% de livros importados, ela
afirma que o tratamento dispensado à cultura hoje é
diferenciado, em um sentido que representa desvantagem e não
privilégio:
"Infelizmente, o segmento do livro não conta
com poder de fogo semelhante ao da indústria farmacêutica,
de autopeças ou refrigerantes, para citar apenas alguns
lobbies atuantes. Também não conta com uma visibilidade
na mídia igual à da indústria cinematográfica
e audiovisual, que mereceu isenção ''para máquinas,
equipamentos, aparelhos, instrumentos e peças de reposição,
e películas cinematográficas virgens, sem similar
nacional''. Ora, o livro importado, por definição,
também não tem similar nacional", compara
Milena referindo-se ao Artigo 8º, parágrafo 12,
item 5, e listando os itens que entraram na lei com isenção
dos livros e periódicos.
" Em seu lugar, com direito à alíquota
zero, entraram produtos hortícolas, frutas, sêmen
e embriões de bois".Milena faz cálculos
que apontam uma porcentagem ainda mais alta que os 9,25%:
"Dependendo do regime contábil (lucro presumido),
pagarão ainda 3,65% sobre o total vendido".
A maior parte dos livros utilizada na pesquisa da doutoranda
em Filosofia Alice Bitencourt Haddad, de 26 anos, é,
necessariamente, de importados. Aluna do Instituto de Filosofia
e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de
Janeiro, ela lembra que uma edição dos diálogos
de Platão, por exemplo, costuma custar por volta de
R$ 100. Este é apenas um dos títulos indispensáveis
à tese. Muitos outros estão na biblioteca da
faculdade, no Largo São Francisco (Centro), mas não
são uma opção.
"A biblioteca do IFCS está fechada há
mais de um ano. Vou precisar da ajuda dos professores, que
emprestam livros".
Quem não conseguir emprestados os títulos de
que precisa certamente recorrerá à internet.
Ruy Campos, sócio da Livraria da Travessa, no Rio,
acredita que até quem não tem o hábito
de comprar pela rede passará a fazê-lo.
"As livrarias virtuais estrangeiras entregam livros
na casa do comprador no Brasil sem esses impostos e nenhuma
burocracia. Já era difícil concorrer com elas
antes; agora é uma tragédia. Vai aumentar mais
o fosso que separa as condições de trabalho
de uma livraria brasileira das virtuais estrangeiras. A nova
alíquota foi uma medida de terceiro escalão,
o Ministério da Cultura não tomou conhecimento
disso", avalia Ruy, que, como Milena, integra a comissão
que tem se reunido junto à Câmara Brasileira
do Livro, em São Paulo, e advogados para traçar
uma estratégia contra a alíquota.
Oswaldo Siciliano, presidente da CBL, diz que o valor da
alíquota será repassado ao preço de capa
dos livros se a tributação for mantida, mas
procura evitar o aumento.
"Foram enviados ofícios aos deputados explicando
os efeitos prejudiciais que a não aprovação
da emenda acarretará. O Brasil não pode caminhar
na contramão dacultura universal", diz Oswaldo.
CECÍLIA GIANETTI
do Jornal do Brasil
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