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cultura ameaçada
04/06/2004
Para quem importa o livro?

Desde o começo de maio, um grupo de intelectuais, editores, donos de livrarias, escritores e livreiros tem se reunido para discutir um aspecto da literatura mais ligado aos números que às letras. As discussões acaloradas já chegaram a Brasília e movimentam advogados em torno de uma questão econômica: livros e periódicos importados devem pagar 9,25% de PIS/Cofins ao chegar ao Brasil. A decisão foi tomada após votação da Lei 10.865 (modificação da Medida Provisória 164/04), que passou a vigorar no dia 1º de maio e que dispõe sobre a contribuição para os programas de integração social (PIS), de formação do patrimônio do servidor público e para o financiamento da seguridade social (Cofins) incidentes sobre a importação de bens e serviços.

Autor de uma emenda para restabelecer a isenção constitucional aos livros e periódicos importados, o deputado Pedro da Silva Corrêa (PP-PE) acredita que o prejuízo intelectual poderá ser maior do que o das livrarias.

"O impacto sobre o desenvolvimento da pesquisa no país será desastroso. Precisamos permanecer integrados e atualizados com a produção de conhecimento do mundo inteiro. O Brasil não pode se isolar desse jeito", protesta.

Ele não é o único político a defender a isenção dos livros e periódicos. O presidente do Senado, José Sarney (PMBD-AP), informa que já está conversando com o governo para tentar reverter a cobrança da alíquota. O deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR) apresentou emenda à Lei 10.865 semelhante à proposta de Pedro Corrêa, e o deputado Delfim Netto (PP-SP) declara-se contra a tributação de livros e periódicos.

De acordo com o técnico tributarista Antônio Marcos, que auxiliou o deputado federal Mário Negromonte (PP-BA) a elaborar o projeto de lei de conversão que seguiria para votação no Senado, a alíquota zero para livros e periódicos havia entrado no texto original do projeto que saiu da Câmara dos Deputados. Mas o Senado discordou e retirou o dispositivo que garantia a isenção. Relator da comissão que participou da votação no Senado, o senador Romero Jucá (PMDB-RR) não explica em seu relatório por que os dispositivos foram retirados.

"O governo tem direito de fazer modificações, foi o que aconteceu", explica o porta-voz do gabinete de Negromonte.

"Isso é um obscurantismo, uma volta ao período das trevas, em que o governo se mostra indiferente à ciência, à cultura e à pesquisa", dispara Hauly.

Milena Piraccini Duchiade, secretária da Associação Estadual de Livrarias do Rio de Janeiro, que congrega as principais livrarias do estado, envia cartas e e-mails aos políticos alertando sobre as complicações que a taxação tem causado. Sócia da livraria Leonardo da Vinci, no Centro do Rio, cujo acervo tem 60% de livros importados, ela afirma que o tratamento dispensado à cultura hoje é diferenciado, em um sentido que representa desvantagem e não privilégio:

"Infelizmente, o segmento do livro não conta com poder de fogo semelhante ao da indústria farmacêutica, de autopeças ou refrigerantes, para citar apenas alguns lobbies atuantes. Também não conta com uma visibilidade na mídia igual à da indústria cinematográfica e audiovisual, que mereceu isenção ''para máquinas, equipamentos, aparelhos, instrumentos e peças de reposição, e películas cinematográficas virgens, sem similar nacional''. Ora, o livro importado, por definição, também não tem similar nacional", compara Milena referindo-se ao Artigo 8º, parágrafo 12, item 5, e listando os itens que entraram na lei com isenção dos livros e periódicos.

" Em seu lugar, com direito à alíquota zero, entraram produtos hortícolas, frutas, sêmen e embriões de bois".Milena faz cálculos que apontam uma porcentagem ainda mais alta que os 9,25%:

"Dependendo do regime contábil (lucro presumido), pagarão ainda 3,65% sobre o total vendido".

A maior parte dos livros utilizada na pesquisa da doutoranda em Filosofia Alice Bitencourt Haddad, de 26 anos, é, necessariamente, de importados. Aluna do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro, ela lembra que uma edição dos diálogos de Platão, por exemplo, costuma custar por volta de R$ 100. Este é apenas um dos títulos indispensáveis à tese. Muitos outros estão na biblioteca da faculdade, no Largo São Francisco (Centro), mas não são uma opção.

"A biblioteca do IFCS está fechada há mais de um ano. Vou precisar da ajuda dos professores, que emprestam livros".

Quem não conseguir emprestados os títulos de que precisa certamente recorrerá à internet. Ruy Campos, sócio da Livraria da Travessa, no Rio, acredita que até quem não tem o hábito de comprar pela rede passará a fazê-lo.

"As livrarias virtuais estrangeiras entregam livros na casa do comprador no Brasil sem esses impostos e nenhuma burocracia. Já era difícil concorrer com elas antes; agora é uma tragédia. Vai aumentar mais o fosso que separa as condições de trabalho de uma livraria brasileira das virtuais estrangeiras. A nova alíquota foi uma medida de terceiro escalão, o Ministério da Cultura não tomou conhecimento disso", avalia Ruy, que, como Milena, integra a comissão que tem se reunido junto à Câmara Brasileira do Livro, em São Paulo, e advogados para traçar uma estratégia contra a alíquota.

Oswaldo Siciliano, presidente da CBL, diz que o valor da alíquota será repassado ao preço de capa dos livros se a tributação for mantida, mas procura evitar o aumento.

"Foram enviados ofícios aos deputados explicando os efeitos prejudiciais que a não aprovação da emenda acarretará. O Brasil não pode caminhar na contramão dacultura universal", diz Oswaldo.

 

 

CECÍLIA GIANETTI
do Jornal do Brasil

   
 
 
 

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