A guerra
contra a obesidade gerou uma crise entre os ministérios
da Saúde e da Agricultura. Apesar de todas as sinalizações
de que o país apoiaria a estratégia global de
alimentação saudável elaborada pela OMS
(Organização Mundial da Saúde), o governo
se manifestou contra o documento.
"Estamos revoltados", afirma Valéria Guimarães,
presidente da Sbem (Sociedade Brasileira de Endocrinologia
e Metabologia). Ela integrou um grupo de cientistas brasileiros
que enviaram ao Ministério da Saúde uma carta
de aprovação às propostas.
Ontem, um manifesto de repúdio à posição
brasileira foi divulgado pela Sbem, com o apoio de entidades
como a AMB (Associação Médica Brasileira)
e a Abeso (Associação Brasileira de Estudos
da Obesidade).
No documento, a OMS afirma que a má alimentação
é responsável por grande parte das doenças
crônicas não-transmissíveis, como problemas
cardiovasculares, câncer e diabetes do tipo 2.
Para combater esses males, a instituição recomenda
que sejam taxados os alimentos que não são considerados
saudáveis e que seja adotada uma dieta que tenha, no
máximo, 10% de energia proveniente de açúcar.
No Brasil, esse índice é de 19%.
Pressão
O documento deveria ter sido finalizado em janeiro. O prazo
para manifestações, no entanto, foi estendido
até 29 de fevereiro por causa das pressões da
indústria do açúcar nos Estados Unidos,
que não quer que o documento seja submetido à
votação na Assembléia Mundial de Saúde,
em maio.
Das 52 manifestações encaminhadas à
OMS, 40 foram favoráveis e três tiveram uma posição
parcialmente favorável. Cinco mensagens tiveram posição
contrária: além de Brasil, EUA, Ilhas Maurício
e Suazilândia, uma segunda resposta do Brasil, como
líder do G-77, grupo que reúne países
em desenvolvimento.
Na resposta enviada pela missão permanente do Brasil
em Genebra, no último dia 29, é dito que os
dados do órgão ainda carecem de comprovação
científica.
"Isso é um absurdo. Foi a vitória da economia
sobre a saúde", afirma o médico Carlos
Monteiro, que atua como consultor da OMS. Na opinião
dele, a decisão decorre da pressão das empresas
de açúcar sobre o Ministério da Agricultura,
que entrou em atrito com a pasta da Saúde.
O Brasil é o maior produtor mundial de açúcar,
e as exportações do produto geram para o país
US$ 2,3 bilhões por ano. "Eu simplesmente transmiti
ao ministro o que nós achamos sobre o assunto. Não
existe uma prova científica de que o açúcar
faça mal à saúde", afirma Eduardo
Carvalho, presidente da União da Agroindústria
Canavieira do Estado de São Paulo (Unica).
Em nota divulgada ontem, o Ministério da Saúde
informou que a resposta apresentada pela missão permanente
do Brasil em Genebra não reflete a posição
definitiva do governo federal sobre a questão. De acordo
com a própria nota oficial, a posição
é baseada, fundamentalmente, em aspectos econômicos
que foram debatidos em uma reunião do G-77, no âmbito
da FAO (Organização das Nações
Unidas para a Agricultura e a Alimentação).
AMARÍLIS LAGE
da Folha de S. Paulo
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