As famílias brasileiras já
gastam mais com provedor de internet e assinatura de TV do
que com dois itens básicos da mesa nacional: arroz
e feijão. Os aumentos de preços fizeram o brasileiro
gastar mais com alimento e tarifas públicas, sobrando
menos dinheiro para despesas com lazer e saúde.
É o que revelam os dados da POF (Pesquisa de Orçamento
Familiar) 2002/2003, divulgados ontem pela FGV (Fundação
Getúlio Vargas). Somados, arroz e feijão participam
com 1,30% do orçamento familiar. Já os gastos
com internet e TV por assinatura representam 1,49% do consumo.
A FGV já pesquisava os gastos com esses dois itens
em 1999/ 2000 (última pesquisa), mas a importância
deles no orçamento cresceu muito. As despesas com internet
aumentaram cerca de 11 vezes, de 0,048% para 0,58%. Já
as com TV por assinatura cresceram de 0,40% para 0,91%.
Enquanto os gastos com saúde, que representavam 12%
do orçamento em 1999 e 2000, caíram para 10,4%,
os com alimentação subiram de 25,1% para 27,5%.
Ou seja: a cada R$ 100 do orçamento de uma família,
R$ 10,4 vão para despesas de saúde, e R$ 27,5
para alimentação.
O grupo de produtos e serviços que mais pesa é
habitação: 31,8%, percentual pouco maior do
que o registrado na última pesquisa (31,1%). De 1999/2000
para 2002/ 2003, não se alterou a ordem dos grupos
responsáveis pelas maiores fatias do orçamento
doméstico: habitação, alimentação,
transportes, saúde, educação, leitura
e recreação e despesas diversas.
Dólar
Segundo André Braz, economista da FGV, a alta do dólar
é a principal razão para os maiores gastos com
comida e tarifas.
Sob o impacto da alta do dólar em 2002 e 2003, subiram
os preços de itens como farinha, biscoitos, óleo
de soja e massa. "Foi um efeito do dólar, que
pressionou certos produtos", disse. A elevação
dos preços de alguns itens desse grupo foi a responsável
pela maior participação dos alimentos no consumo
familiar.
De setembro de 1999 a outubro de 2000 (período de
coleta da POF), a inflação do grupo alimentos
foi de 8,53%. A taxa foi muito mais alta de setembro de 2002
a outubro de 2003: 22,03%.
Embora os gastos com habitação tenham ficado
praticamente estáveis, dentro desse grupo as despesas
com tarifas públicas cresceram de 10,86% para 13,76%.
As que ganharam mais peso no orçamento foram energia,
telefone fixo, celular e gás de botijão.
"Nesses casos, também há impacto do dólar",
disse Braz. As tarifas são corrigidas pelos IGP's,
que, por medirem preços no atacado, sofrem mais influência
da moeda norte-americana.
De 1999 a 2003, as tarifas tiveram altas expressivas. A energia
subiu 136%. O gás de botijão, 220,6%. O telefone
fixo, 75,4%.
Os gastos com saúde caíram por causa do menor
consumo de medicamentos, cujo peso passou de 2,8% para 2,2%.
Para Braz, as principais razões para isso foram a queda
da renda e o controle de preços dos remédios
pelo governo. "O rendimento menor explica a queda do
consumo de todos os produtos que perderam participação
no orçamento das famílias", afirmou Salomão
Quadros, coordenador de análises econômicas da
FGV.
Também perdeu peso o grupo transportes, graças
à retração das vendas de veículos
novos e usados, que recuaram de 2,52% para 0,61%. Com a alta
do preço dos combustíveis, as despesas com transporte
urbano cresceram, passando de 3,53% para 4,76%. Com a retração
das vendas de veículos e do rendimento do trabalhador,
caiu a participação dos combustíveis
no orçamento familiar -de 4,65% para 3,99%.
Obrigadas a cortar supérfluos, as famílias
reduziram gastos com recreação, que caíram
3% para 2,6% do total do orçamento, e com leitura,
que caíram de 0,58% para 0,43%.
PEDRO SOARES
da Folha de S. Paulo, sucursal do
Rio
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