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As ruas
de Santa Maria, cidade satélite do Distrito Federal,
em Brasília, começaram a ganhar mais ritmo,
movimento e oportunidade de mostrar que são mais do
que espaços violentos da capital do país, com
a chegada do projeto "Se Toca Brasil", desenvolvido
pelo grupo de teatro Mapati, fundado em 1984 pela diretora
e atriz Tereza Padilha, e que conta com o apoio do Ministério
da Cultura e o patrocínio da VIVO, operadora de telefonia
celular.
Desde setembro de 2004, cerca de 40 crianças e jovens,
de nove a 17 anos, participam de atividades de interpretação,
dança e música, além de apresentações
de peças teatrais no Centro Cultural de Santa Maria.
A proposta, de acordo com Tereza, é discutir a questão
do preconceito ainda tão vigente no país e valorizar
o que há de melhor nestes adolescentes. Nesta primeira
etapa do projeto, o grupo focou em ações para
melhorar a auto-estima dos participantes, que, segundo a diretora,
tinham um olhar muito triste, com histórias de vida
sofridas.
"Vimos que não era possível já
oferecer oficinas preparadas sendo que eles tinham a auto-estima
lá embaixo. Algumas crianças apanhavam dos pais
e tinham até acompanhamento do SOS. Precisávamos
antes trabalhar aspectos como a importância de se gostar,
de se sociabilizar. É um trabalho difícil, mas
você consegue observar a mudança de visão
de vida mesmo. Eles têm muita força de vontade,
só precisam de oportunidade", avalia.
Jeferson Maciel Silva, 16 anos, por exemplo, participa há
cinco meses do projeto e já percebe transformações
no seu comportamento e também no dia-a-dia. O jovem
teve de se dedicar mais à escola, melhorar as notas
que poderiam reprová-lo de ano, para poder continuar
no projeto. Hoje, ele se apaixonou pelo teatro e pretende
seguir carreira na área. "Antes eu não
dava muito valor para os estudos. Agora sei que preciso me
dedicar aos dois. Eu me emociono muito com o teatro e vou
fazer o possível para crescer na vida", conta
o adolescente, que aponta ainda ter uma nova visão
da cidade após o projeto: "Agora podemos mostrar
que aqui, em Santa Maria, não tem só marginais
e vândalos como as pessoas gostam de dizer".
"O interessante é que o projeto despertou o
interesse do povo da cidade para a arte. Um senhor violeiro,
por exemplo, tirou o violão de dentro de casa e foi
para as ruas tocar, apesar de falarem que é um lugar
perigoso. As pessoas começaram a se movimentar",
completa a atriz. Em sua opinião, esse é um
dos grandes benefícios que a arte traz: união,
integração, energia. "O teatro, principalmente,
consegue juntar as pessoas de diferentes realidades. É
fabuloso isso. As pessoas precisam mais dessa humanização
que a arte traz consigo. Se as pessoas tiverem a oportunidade
de ter essa ligação com as coisas belas, muita
coisa irá mudar", acredita.
A partir de março, as crianças e jovens da
cidade começarão a participar de oficinas de
Interpretação e Expressão Corporal; Musicalização;
Máscaras, Bonecos e Adereços Cênicos;
Criação, execução e costura de
figurinos; Maquiagem para teatro; Iluminação;
Cenografia; e Sonoplastia. Com isso, o projeto irá
oferecer oportunidade de profissionalização
aos jovens. Alguns que já se destacaram nas atividades,
como Angélica Rodrigues, 21 anos, tiveram a oportunidade
de fazer apresentações teatrais remuneradas
em empresas da região. A garota pretende agora se dedicar
às oficinas, principalmente, de interpretação
e dança, que são as que mais chamam a sua atenção.
Ela conta que sempre gostou muito de teatro, pois ele permite
aos atores incorporarem personagens tão diversos e
viverem realidades que não conhecem. "Além
disso, o teatro tem vários papéis. Às
vezes ele está divertindo, outras educando, e até
criticando".
Para Angélica, o projeto "Se Toca Brasil"
trabalha ainda outras questões importantes para a vida
dos jovens, como comprometimento e responsabilidade. "Temos
que mostrar força de vontade mesmo. Isso porque, para
participar das atividades, por exemplo, não podemos
faltar muitas vezes. Apesar de não poderem dançar,
uns iam até com perna quebrada só para poderem
estar presentes", conta animada a jovem que pretende
também seguir carreira.
Uma paixão de longa data
O "Se Toca Brasil" é apenas uma parte das
ações do grupo Mapati, que conta ainda com um
ônibus, um caminhão teatro e o Centro Cultural
Mapati, onde funcionam o teatro, a escola de atores e direção
e a colônia de férias. O grupo foi criado por
Tereza após a morte trágica de seu filho caçula
Tiago, em 1983. "Foi uma fase muito difícil para
mim e eu precisava preencher de alguma forma aquele vazio
que ficou", se recorda. A atriz e diretora passou a observar
mais atentamente o que havia então na região
para a diversão das crianças e, chegou à
conclusão, que existiam poucas opções
de lazer.
Desta forma, junto com o marido, Marcos Souza, comprou um
espaço e transformou-o num teatro. O local começou
a atrair tanto as crianças da região que passaram
a pedir a criação de uma escola de teatro no
local. "Foi aí que percebi que, até então,
somente realmente as pessoas que tinham formação
e informação iam ao teatro e queriam levar os
seus filhos para assistirem às peças. Senti
que precisava fazer algo mais. Levar esse trabalho para as
pessoas que não tinham acesso à arte".
Teve início assim, em 1998, um trabalho do grupo
junto às crianças pobres da cidade de Brasília.
"Acredito que se não podemos levar coisas materiais
a elas, precisamos levar afeto", destaca. Em parceria
com o Centro de Estudos e Assessoria do Movimento Nacional
de Meninos e Meninas de Rua do Distrito Federal e o Instituto
Candango de Solidariedade, o grupo apresentou o espetáculo
Brasileirinho com a participação de 40 meninos
e meninas de rua. Nesta época, o grupo foi convidado
para participar de um festival multicultural no Canadá,
mas a experiência não foi positiva.
"Sofremos muito preconceito lá. Fomos até
barrados no festival porque queríamos mostrar a realidade
das crianças brasileiras e eles não deixaram",
comenta Tereza. Foi dessa experiência que surgiu o interesse
em trabalhar com os jovens em situação de risco
social, criando assim o projeto "Se Toca Brasil".
Mas a vontade de levar a arte e a cultura para aqueles que
não a conhecem foi além. Também em 1998,
o grupo passou a desenvolver o projeto "Teatro Sobre
Rodas", com a realização de espetáculos
públicos gratuitos, na carroceria de um caminhão.
A lateral do veículo se abre e se transforma num palco,
com cenários e toda infra-estrutura necessária
para as apresentações, como cadeiras para o
público e uma lona caso seja dia de chuva.
O caminhão já percorreu mais de 90 mil km,
visitando 180 cidades brasileiras em diversos estados, com
mais de 300 encenações, e um público
estimado em 150 mil pessoas. Os espetáculos falam sobre
diversos assuntos, como Aids e preconceito, a solidão
que muitas crianças enfrentam devido à ausência
dos pais que trabalham muitas horas por dia, além das
belezas naturais do país, entre outros. Muitos textos
são adaptados de grandes obras, como Romeu e Julieta
que, no Mapati, discute a questão do negro e do branco.
Para cada local, de acordo com as características do
povo e as necessidades dos moradores, o grupo escolhe qual
peça irá apresentar.
Tereza conta que o grupo estaciona seu "teatro ambulante"
onde der: em praças, feiras e até becos, esquinas
e terrenos baldios. Se precisar, os atores põem a mão
na massa até para limpar e organizar o local. São
cerca de quatro apresentações por cidade. "Às
vezes nem precisa de divulgação. A própria
comunidade se organiza para assistir. O bonito é que
algumas pessoas se emocionam e começam até a
chorar durante as peças. As pessoas têm necessidade
de ver, assistir e participar de ações como
essas", comenta a atriz.
Tereza lembra, no entanto, que o trabalho, muitas vezes,
não é nada fácil. Isso porque o grupo
já passou por locais em que não havia nem energia
elétrica ou outros em que o caminhão tinha que
ser colocado numa grande embarcação para poder
chegar às comunidades. O grupo já passou também
alguns apuros, como precisar da proteção dos
"donos dos morros" para poder fazer suas apresentações
em locais de grande violência. Mas o resultado final
é sempre satisfatório, garante Tereza. Depois
das apresentações, na cidade de Cambolo, na
Bahia, por exemplo, os moradores passaram a se movimentar
e exigir das autoridades a criação de espaços
de cultura e lazer.
O projeto, que também conta com patrocínio
da VIVO, já recebeu o prêmio ABM & N da Associação
Brasileira de Marketing & Negócios, em 2002, e
a Ordem do Mérito Cultural Carlos Gomes, em 2003. Para
este ano, o grupo já faz outros planos. Estáem
negociação uma parceria com uma empresa para
a realização de um projeto em 10 regiões
do país em que serão realizadas apresentações
teatrais tendo como tema a importância da alimentação.
As peças serão baseadas em um livro e adaptadas
para a realidade de cada região, destacando, por exemplo,
informações sobre alimentos essenciais da cozinha
local, como a farinha da tapioca, que vem sendo substituída
pelas farinhas industrializadas.
Mapati
Endereço: SHCGN 707 Bloco K, nº5, Asa Norte, Brasília/DF
Telefone: (61) 347-3920
E-mail: mapati@mapati.com.br
Site: www.mapati.com.br
Daniele Próspero
do site setor3.
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