Hoje,
Laura L.C. Teixeira vive com Darília, sua filha de
15 anos e mais dois filhos pequenos. Mas durante dois meses,
Laura esteve separada da adolescente. No ano passado, a menina
foi encaminhada para o Centro Integrado de Educação
e Cidadania Ciranda do Crescer (CIEC 1), um abrigo público
da cidade de Caraguatatuba, litoral de São Paulo, após
fugir de casa devido a um desentendimento com o padrasto.
Apesar de a mãe ter se separado do companheiro, o juiz
determinou o abrigamento de Darília, pois a responsável
não tinha condições socioeconômicas
para sustentar os três dependentes.
O caso de Laura e Darília ilustra a causa mais freqüente
de abrigamento no Brasil: a falta de recursos financeiros.
Embora o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)
garanta o direito à convivência familiar e determine
que o encaminhamento de crianças e adolescentes para
aquelas instituições seja realizado em caráter
apenas provisório e excepcional, de acordo com os resultados
preliminares do "Levantamento Nacional de Abrigos para
Crianças e Adolescentes", publicados pelo Instituto
de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) em abril do ano
passado, 24% das crianças e adolescentes que moram
em abrigos aí permanecem porque são pobres,
porque seus pais não podem sustentá-las.
A institucionalização, portanto, faz-se necessária
para garantir sua alimentação, saúde
e educação. No entanto, o ECA não considera
a pobreza como motivo de abrigamento. A não ser que
a falta de recursos materiais esteja associada a outros motivos
que justifiquem o abrigamento. Se os pais não conseguem
manter seus filhos, a legislação determina que
eles sejam inseridos em programas oficiais de assistência.
O estudo ainda aponta que cerca de 87% dos abrigados têm
família e 58% mantêm vínculos familiares.
19% das crianças e adolescentes estão nos abrigos
porque foram abandonados, 12% porque sofreram violência
doméstica, 11% porque os responsáveis são
dependentes químicos, 7% porque vivem nas ruas e 5%
porque são órfãos.
A psicóloga Bernadete Barboza de Melo, que trabalha
no CIEC 1, explica que, quando os pais perdem a guarda de
seus filhos, a família toda se desestrutura. As crianças
sofrem e os pais se sentem "culpados" por não
conseguirem mantê-las, por não serem "bons
pais". Nesse sentido, quando se visa a reintegração
familiar, é fundamental trabalhar a auto-estima dos
pais e a valorização da família. "Os
pais das crianças abrigadas também precisam
de referências. Quando eles ficam nesse trabalho, o
processo é dificultado", afirma a psicóloga.
Mas a realidade é que a grande maioria dos abrigos
não se preocupa com isso. Embora, segundo o levantamento
do IPEA os abrigos brasileiros estejam "altamente integrados
na comunidade" em que estão localizados, prestando
serviços para a população do entorno,
poucos promovem o direito à convivência familiar
e comunitária. Apenas 14% dos abrigos desenvolvem medidas
de apoio à reestruturação familiar, como
visitas domiciliares, acompanhamento social, discussão
em grupo, e inserção das famílias em
programas de auxílio e proteção. E só
6,6% incentivam a preservação dos vínculos
familiares, por meio do convívio com a família
de origem e do não-desmembramento de grupos de irmãos
abrigados.
Quebrando estereótipos
Foi pensando em romper com essa hostilidade dos pais frente
aos abrigos, com essa sensação de que eles estariam,
a todo momento, sendo julgados, que a Fundação
Orsa, no ano passado, resolveu levar para o abrigo de Caraguatatuba
(CIEC1), a experiência da "Escola de Pais".
A partir do projeto que era desenvolvido desde 2002 nas
10 escolas públicas de Educação Infantil
do município, com o objetivo de aproximar os pais das
escolas, a Escola de Pais foi adaptada para ser aplicada no
abrigo. A intenção era, agora, além de
promover as tradicionais visitas familiares e encaminhamentos
para os serviços sociais, mostrar aos responsáveis
a realidade da vida de seus filhos em um abrigo (por melhor
que seja sua infra-estrutura, as crianças costumam
preferir voltar para casa) e capacitá-los com informações
sobre os direitos da criança e do adolescente, resgatando
sua auto-estima e promovendo a reintegração
familiar, conforme explica Renata Sanches, coordenadora de
programas da Fundação Orsa.
Durante 3 meses, os pais de crianças de 15 famílias
abrigadas participaram do projeto-piloto. Bernadete conta
que todos os pais foram convidados a fazer parte da experiência.
E que apesar de os agentes da Fundação Orsa
terem visitado todas as famílias, nem todas aceitaram
participar. O início foi bastante difícil, pois
os pais desconfiavam das reais intenções do
projeto e da Fundação, mas aos poucos, a partir
dos encontros semanais, um vínculo de confiança
foi sendo construído e os pais passaram a se perceber
como vítimas sociais, a se valorizar mais e a apontar
suas necessidades.
Alguns pais, segundo Bernadete, contavam que haviam sido
maltratados durante a infância, outros que usavam drogas,
tinham problemas com a bebida, prostituição,
eram pacientes psiquiátricos... A partir desses depoimentos,
os encaminhamentos eram definidos.
Os direitos da criança e do adolescente foram trabalhados
durante os encontros. A forma de reaver a guarda da criança,
como tratar com a sexualidade, com a afetividade, a postura
que os pais devem ter nas visitas aos abrigos também
foram discutidos. A partir de vídeos, cartas e desenhos
realizados pelos próprios abrigados, os pais foram
sensibilizados sobre a importância de seu papel na formação
da criança e do adolescente.
O resultado desse esforço é que 7 crianças
de 4 famílias participantes do Escolas de Pais retornaram
para casa. Alguns pais voltaram a estudar. Outros, como Dona
Laura, conseguiram, com o apoio da Fundação
Orsa, um emprego.
Falando a mesma língua
Laura conta que a relação com seus três
filhos, não apenas com Darília, melhorou. "Antes,
a gente não se entendia. Agora, eu passei a aceitar
mais a forma de ser da minha filha. Ela gosta muito de sair
e fazer amizades... Também tive informações
sobre como orientar meus filhos com os estudos, como cuidar
de sua saúde, e melhorar a convivência familiar".
Hoje, dona Laura garante que não perde mais a guarda
de nenhum dos filhos.
O abrigo continua acompanhando a situação
da família. Darília também vai à
instituição para conversar com a equipe. Laura
explica que o que aprendeu na Escola de Pais também
está sendo utilizado em sua atividade profissional,
pois foi contratada como auxiliar de cozinha em uma escola.
Para este ano, a Fundação Orsa decidiu ampliar
o projeto a mais oito abrigos do Estado de São Paulo.
"O objetivo é fazer com que nenhuma criança
fique em abrigo", vislumbra Renata Sanches. Além
disso, pretende trabalhar com o desenvolvimento local sustentável,
estimulando a geração de renda, e concedendo
microcrédito à comunidade.
Atualmente, a organização vem trabalhando exclusivamente
com abrigos públicos. Mas, em breve, deve passar a
trabalhar com os particulares que, por receberem recursos
por cada criança abrigada, cultivam a cultura de manter
as crianças na instituição.
Laura Giannecchini
do site setor3.
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