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mundo
10/09/2004
Mulheres ainda são vítimas de violência e discriminação

Hoje, dois terços dos analfabetos do mundo são mulheres, e 80% dos refugiados são mulheres e crianças. Os especialistas acreditam que, mais do que tratar apenas isoladamente deste cenário, é necessário que essa meta perpasse por todas as outras propostas pela ONU. "A igualdade não é um objetivo específico e, sem essa visão, não será possível transformar o cenário de pobreza do mundo e promover o desenvolvimento sustentável", comenta Júnia Puglia, oficial de programa do Unifem para o Brasil e o Cone Sul (Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher). Isso se deve ao fato de que das 1,2 bilhão de pessoas em todo o planeta vivendo abaixo da linha de extrema pobreza, com o equivalente a menos de 1 dólar por dia (ajustado em cada país pela paridade do poder de compra), 70% são mulheres.

Este fenômeno é identificado hoje como a "feminização da pobreza". "Sem um combate específico na questão das mulheres pobres, das famílias chefiadas por mulheres, da renda familiar, e de atividades como o cuidado dos idosos e doentes, tudo o que fizeram de graça, que tem um custo enorme para a sociedade, têm que ser incluídas na elaboração de estratégias para a superação da pobreza feminina que se reflete da superação da pobreza da sociedade como um todo", completa Júnia.

No Brasil, por exemplo, entre 1992 e 2002, segundo uma pesquisa lançada em março deste ano pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos, o número de lares brasileiros chefiados por mulheres subiu de 19,3 para 25,5%. De acordo com a pesquisa, as mulheres chefes de família estão concentradas principalmente nos domicílios 25% mais pobres. O perfil dessas mulheres guarda algumas características comuns: geralmente elas não têm cônjuge (tornaram-se viúvas ou não vivem com o parceiro), como mais de 64% têm mais de 40 anos e a maioria tem baixa escolaridade ou é analfabeta, elas têm mais dificuldades para se inserir no mercado de trabalho, quando conseguem, geralmente, recebem baixos salários.

Diferente do que ocorre em outros países, como apontado pela ONU, o Brasil já superou as desigualdades de gênero em relação à educação. No país, a conquista dessa equidade de gênero proposta pela meta passa pela superação da discriminação e do preconceito e a criação de meios para garantir o fortalecimento da mulher, ampliando seus espaços de trabalho e garantindo a igualdade de oportunidades para ambos os sexos tanto no interior das organizações quanto no conjunto dos espaços sociais.

Na pesquisa "A Mulher Brasileira nos Espaços Público e Privado", realizada em 2001 pela Fundação Perseu Abramo, as mulheres relacionaram o que seria necessário para que suas vidas melhorassem: o fim das discriminações no mercado de trabalho (47%), a igualdade de direitos (10%), o combate à violência contra as mulheres (9%); maior liberdade (5%), menos machismo e mais reconhecimento por parte dos homens (5%). Duas em cada três brasileiras (65%) avaliam que a vida das mulheres melhorou "nos últimos 20 ou 30 anos", percepção que cresce conforme aumenta a renda familiar.

Especialistas apontam diversos avanços conquistados pelas mulheres ao longo destes anos tanto no âmbito internacional, regional como nacional, por meio de diferentes atores políticos e sociais como os movimentos feministas e de mulheres; redes e organizações não-governamentais; organismos governamentais e intergovernamentais; setores da sociedade civil, instituições, programas, fundos e agências de cooperação. No plano internacional, as Conferências da Organização das Nações Unidas (ONU), em especial, a Conferência Mundial de Direitos Humanos (1993) e a Conferência Mundial da Mulher (1995).

Em dezembro de 1993, a ONU emitiu a Declaração sobre a Eliminação da Violência contra as Mulheres e, em 1994, instituiu uma Relatoria Especial sobre a Violência contra as Mulheres. Outras ações se destacam, como a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW, 1979), da qual o Brasil faz parte desde 1984. E, no plano regional, a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará, 1994), ratificada pelo Brasil em 1995. A Convenção estabelece que o direito de toda a mulher a viver livre de violência abrange o direito de ser livre de toda forma de discriminação.

As reivindicações das mulheres e de suas organizações mudaram ao longo do processo pela luta de igualdade. A advogada Daniela Ikawa, coordenadora do Programa de Clínicas Legais da SUR – Rede Universitária de Direitos Humanos, e colaboradora da elaboração do primeiro relatório brasileiro apresentado ao Comitê pela Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, destaca que, primeiramente, percebeu-se que não era suficiente garantir uma igualdade formal para se atingir uma igualdade material, pois vulnerabilidades específicas deveriam ser respondidas com medidas específicas de proteção.

"Já num segundo momento, percebeu-se a relevância da diferença. Ao longo da luta pela consolidação dos direitos humanos, fica a cada momento mais clara a necessidade de reconhecer as peculiaridades culturais, da idade, e aquelas derivadas do gênero, dentre outras. A diferença é uma das ferramentas da democracia, da pluralidade, do diálogo", aponta.

De acordo com Júnia Puglia, isso fica evidente na postura adotada pelos movimentos de luta pelos direitos das mulheres. Em princípio, a luta era pelo direito de falar, de ser vista como mulher e como cidadã. Atualmente, existe mais uma intenção de serem vistas como um grupo inserido na sociedade. O movimento internacional pelos direitos das mulheres tem privilegiado três questões centrais neste âmbito: a discriminação contra a mulher; a violência contra a mulher e os direitos sexuais e reprodutivos.

Apesar dos diversos avanços, os obstáculos que impedem a igualdade entre os sexos, tanto na esfera privada como na esfera pública ainda são grandes. Silvia Pimentel, coordenadora nacional da seção brasileira do Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher (Cladem) e presidente do Instituto para Promoção da Eqüidade, afirma que, essa é uma tarefa que "envolve a modificação de padrões socioculturais de condutas de homens e mulheres, com vistas a alcançar a eliminação dos preconceitos e práticas costumeiras baseadas na idéia de inferioridade ou superioridade de qualquer dos sexos ou em funções estereotipadas de homens e mulheres".

Em sua opinião, é necessário se estabelecer uma postura crítica quanto a estereótipos como: "a mulher é a rainha do lar, a responsável pela paz e tranqüilidade familiar"; ou "a atividade da mulher é bem-vinda na medida em que não interfira em suas responsabilidades familiares". "Por isso o redimensionamento do papel social da mulher e do homem na família é condição de igualdade de gênero e autonomia das mulheres", destaca.

O que se percebe hoje é que a desigualdade entre os gêneros persiste apesar da constante luta pelos direitos das mulheres, pois há uma larga distância entre as conquistas formais e a prática cotidiana. Para reverter este quadro, Nilcéa Freire, ministra-chefe da Secretaria Especial de Políticas Públicas para as Mulheres, afirma que é preciso reconhecer que existe o preconceito e dar visibilidade a ele, a fim de "desnaturalizar" as atitudes discriminatórias.

A partir daí, se faz necessária a criação de políticas públicas estruturais que "reconheçam as diferenças e as cargas históricas e culturais que se impõem sobre as mulheres", afirma a ministra. O Brasil deu este primeiro passo ao realizar, no mês de julho, a Conferência Nacional de Políticas Públicas para as Mulheres, com a participação de mais de 120 mil mulheres. Na ocasião, foi elaborado um conjunto de diretrizes para compor um Plano Nacional de Políticas para as Mulheres. Um Grupo de Trabalho Interministerial, composto por oito ministérios, além de representantes da sociedade civil e membros executivos estaduais e municipais, está trabalhando na elaboração deste plano que deve ficar pronto até o final de novembro, fechando o Ano da Mulher.

No dia 20 de agosto, o governo instituiu também, no âmbito do Ministério do Trabalho e Emprego, a Comissão Tripartite com o objetivo de promover políticas públicas de igualdade de oportunidades e de tratamento, e de combate a todas as formas de discriminação de gênero e de raça, no emprego e na ocupação. Outro caminho alternativo adotado para garantia de direitos é a elaboração das ações afirmativas. Nilcéa acredita que é preciso atuar diretamente em favor daqueles que acumulam desvantagens e colocar isso numa balança da eqüidade, pois no caso específico das mulheres, as políticas que se limitam a tratá-las com igualdade têm sido claramente insuficientes, já que tratar igualmente pessoas que estão em situações profundamente desiguais não altera as desvantagens iniciais.

Já existem ações com este enfoque. No início do ano, a prefeita de São Paulo, Marta Suplicy, sancionou o projeto de lei que obriga todos os programas de habitação da prefeitura a darem prioridade às mulheres, tanto na titularidade das casas como na participação de programas profissionalizantes e assistenciais. As políticas compensatórias criadas nestes últimos dez anos, como o programa Bolsa-Escola ou, mais recentemente, o Bolsa-Família, ao reconhecerem a mãe da família como interlocutora e beneficiária dos recursos, vêm colaborando também para melhorar a condição social de muitas mulheres e crianças.

No entanto, as mulheres brasileiras ainda estão sub-representadas na política. De acordo com a publicação "O Compromisso das Empresas com a Valorização das Mulheres", são apenas 8,2% na Câmara dos Deputados e 14,8% no Senado. Nos legislativos estaduais, somam 12,5% do total de deputados. Dos 27 estados da federação, apenas dois são governados por mulheres. Dos 5.561 municípios existentes no Brasil no início de 2004, apenas 6% são chefiados por mulheres, e, nas câmaras municipais, as vereadoras não ultrapassam 12%.

Nilcéa destaca que, mais uma vez, as bases culturais de desigualdade se refletem nestas instâncias, já que, devido às diversas funções que a mulher desempenha, não têm oportunidade de participar dos espaços políticos de discussão e dos partidos e, desta forma, no momento das eleições ficam em desvantagem. "Claro que a cota somente, neste caso, não resolve, mas é um passo. É preciso ter financiamentos e estímulos para que a mulher possa exercer esse seu direito", comenta a ministra, destacando que essa luta pelo direito das mulheres deve ser assumida fortemente pelas mulheres.

"É claro que é bom ver a sensibilização dos homens pela causa, mas essa luta é nossa. Temos que nos mobilizar para fazer com que a comunidade perceba que a não incorporação das mulheres em todos os meios é prejuízo não só para nós, mas para toda a sociedade", completa. Em São Paulo, algumas mulheres já perceberam a importância dessa mobilização e, desde 2002, organizam o Fórum Permanente de Mulheres. As mulheres, tanto de entidades, movimentos sociais ou por conta própria, participam mensalmente de encontros para discutir o espaço doméstico, qual o seu papel na família e ações de profissionalização para garantir a sua autonomia. O Fórum trabalha com quatro enfoques: saúde, educação, geração de emprego e renda e violência.

"O desafio maior é gerar renda para que elas possam sair desta situação de violência", comenta Marli Ferraz Bonfim, coordenadora do Fórum.

Mercado de trabalho desigual
O mercado de trabalho é hoje um retrato de que as desigualdades entre homens e mulheres persistem na sociedade brasileira. Apesar de representarem mais de 45,3% da população economicamente ativa, segundo estimativas do IBGE para abril de 2004, e representarem 38% dos efetivamente ocupados, as mulheres recebem 31% a menos que os homens, mesmo tendo um nível de escolaridade superior ao deles.

Observe-se ainda que, na população economicamente ativa com ensino superior, 52,3% são mulheres e, na população ocupada, 35,4% das mulheres têm 11 anos ou mais de estudo, enquanto a parcela dos homens nessa condição é de 24,8%. Essa situação não se reflete na composição dos quadros de liderança das empresas. Entre 1985 e 1995, 12 milhões de novas trabalhadoras ingressaram no mercado de trabalho. No entanto, a maioria em condições bem mais precárias do que os homens: 54% das que trabalham não tem carteira assinada. A jornada de trabalho das mulheres também ficou mais extensa. Elas precisam trabalhar por mais horas para garantir o sustento da família.

As mulheres negras (pretas e pardas) estão em condições ainda piores do que as não negras (brancas e amarelas). De acordo com os dados preliminares da Pesquisa Mensal de Emprego e Desemprego divulgada pelo IBGE em junho de 2004, as mulheres brancas (incluindo as amarelas) ganhavam, em média, 20,5% menos do que os homens brancos (incluindo os amarelos), enquanto as mulheres negras (pretas e pardas) ganhavam em média 19,4% menos do que os homens negros (pretos e pardos) e 61,2% menos do que os homens brancos.

As mulheres são a maioria (53,9%) entre os que ganham entre meio e um salário mínimo por mês. Quanto mais cresce o salário, menor é a participação feminina. Na faixa acima dos que ganham até 30 salários mínimos, elas são minoria, mal passando de um quinto dos trabalhadores. A ocupação feminina se concentra em algumas atividades, principalmente no setor de serviços (29%), de acordo com dados do Diesse, de 2001, como administração pública, saúde, ensino, serviços comunitários, serviços pessoais e comunicação.

Ou seja, ainda permanece uma visão de que algumas carreiras devem ser exercidas por homens e outras são melhores para as mulheres. Na indústria de transformação, as mulheres são apenas 9% da mão-de-obra, e, mesmo assim, estão, em sua grande maioria, nos segmentos mais tradicionais, como vestuário e alimentação. Hoje, 4,8 milhões de mulheres são empregadas domésticas. No meio rural, as mulheres são maioria entre os que trabalham sem remuneração, em atividades para o próprio consumo ou na produção familiar.

A insatisfação por parte das trabalhadoras é evidente. De acordo com o manual da Organização Internacional do Trabalho (OIT), lançado no dia 1º setembro, em Genebra, com o Índice de Segurança Econômica e Felicidade no Mundo do Trabalho, as mulheres enfrentam maior insegurança econômica do que os homens e, por isso, são mais infelizes no trabalho. São as mulheres que enfrentam maiores problemas para procurar um emprego e menor regularidade no pagamento, pois, na maior parte das vezes, o salário é transferido diretamente para o marido ou outro membro da família.

A falta de oportunidades e acesso das mulheres ao mundo do trabalho perpassa o dia-a-dia das grandes empresas do país. Há ainda muito que se avançar na promoção da diversidade de gênero. Essa é a conclusão da pesquisa 'Perfil social, racial e de gênero das 500 maiores empresas do Brasil e suas ações afirmativas', realizada pelo Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social em parceria com a Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (FGV-EAESP), o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e o Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher (Unifem), lançada no final de 2003.

De acordo com o estudo, há uma dificuldade das mulheres conseguirem ascensão aos postos mais altos da empresa. O índice de participação das mulheres na diretoria é de apenas 9%. Esses percentuais aumentam à medida que se desce na escala hierárquica. As mulheres formam 28% do nível de supervisão e 35% do quadro funcional. Apenas 98 empresas da amostra afirmam ter mulheres no quadro executivo, o que resulta numa média de 3,5 diretoras por empresa.

A mulher negra é ainda mais desvalorizada. Em números absolutos: de 6.016 mulheres existentes na gerência, só 372 são negras (pretas ou pardas); entre as 339 mulheres do quadro executivo, há apenas três mulheres negras. Além disso, poucas empresas têm políticas definidas de promoção de diversidade étnica ou de gênero. Essas dificuldades, no entanto, não são percebidas por todos. Numa pesquisa realizada pelo Observatório Social em uma grande empresa de São Paulo, apenas 10% dos homens reconheceram que as mulheres têm uma carreira mais dificultosa enquanto 40% das mulheres achavam que têm uma carreira difícil, pois precisam mostrar que são muito boas naquilo que fazem para serem reconhecidas.

De acordo com a advogada Daniela Ikawa, coordenadora do Programa de Clínicas Legais da SUR - Rede Universitária de Direitos Humanos, e colaboradora da elaboração do primeiro relatório brasileiro apresentado ao Comitê pela Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, a discriminação no mercado de trabalho ocorre ainda pelo não reconhecimento de peculiaridades da condição de gênero, como a maternidade. "Essa é uma discriminação que tem início no âmbito privado, isto é, na resistência a uma re-divisão de papéis que sobrecarrega a mulher e a força a uma escolha entre a participação na arena pública e a consecução de seus deveres", observa.

Há uma legislação de proteção às grávidas, mas, na prática, muitas vezes, as mulheres deixam de ser admitidas ou promovidas por causa da possibilidade de gestação. "As empresas ainda não conseguiram desmistificar que a maternidade não tem custo. Outro fator preocupante é o fato de que as mulheres são as maiores vítimas de doenças ocupacionais, devido ao trabalho que realizam e, muitas vezes, são demitidas por estes problemas", comenta Neusa Barbosa de Lima, da Secretaria Nacional de Políticas para a Mulher da Força Sindical, durante o lançamento da publicação "O Compromisso das Empresas com a Valorização das Mulheres", em 1º de setembro, em São Paulo. Ela ressalta ainda que, em diversos momentos, as cláusulas que abordam a questão de equidade de gênero são consideradas supérfluas pelos sindicatos patronais.

Outro fator de desvantagem para as mulheres trabalhadoras é a dupla jornada do trabalho devido às tarefas domésticas e o cuidado com os filhos que, ainda, são atribuições especialmente maternas. Em média, as mulheres trabalham cerca de 4h30 por dia a mais em outros afazeres que não do seu emprego, enquanto os homens trabalham 1h15 a mais. Além disso, as mulheres contam com o apoio e colaboração de outras mulheres para realizar estas tarefas.

O desafio, no entanto, não está somente em conseguir uma vaga numa empresa ou a possibilidade de ter um plano de carreira e um salário condizente com a sua capacidade. Muitos são os casos em que as mulheres precisam ainda enfrentar o assédio e desrespeito de seus colegas profissionais homens. "Esse é um assunto que precisa mais atenção por parte das empresas. O assédio moral ou sexual gera efeitos profundos na vida profissional e pessoal destas mulheres, prejudicando sua auto-estima e autovalorização. Casos como estes são difíceis de serem comprovados, mas, o primeiro passo, é que as empresas acreditem nas denúncias, quando ocorrerem, antes de ficarem pedindo provas concretas", destaca Júnia Puglia.

Na opinião de Júnia, o setor empresarial precisa promover ações para a equidade de gênero, não somente devido a uma preocupação em praticar a responsabilidade social, mas por ser esta uma questão de justiça. "É necessário acelerar este processo para que as mulheres, que têm um importante papel na produção de riquezas, tenham o lugar que merecem no mundo do trabalho, na sua formação e nas suas próprias atividades empreendedoras".

José Carlos Ferreira, da OIT, também durante o lançamento da publicação, afirmou que, devido a esta postura discriminatória das empresas, há um desperdício de conhecimento. A diversidade em todas as instâncias da empresa tem se traduzido, segundo o manual, em equipes mais eficientes, em funcionários mais satisfeitos e em redução da rotatividade.

O representante da OIT acredita que é necessário que as empresas respeitem o direito de livre associação dos funcionários e estimulem as funcionárias a participar das organizações de trabalhadores internas da empresa. Este é um dos dez compromissos apontados pela publicação como essenciais para a valorização das mulheres. Outros compromissos são: garantir salários iguais para funções iguais ou equivalentes; assegurar que a participação das mulheres nos órgãos de direção seja proporcional ao total de mulheres do quadro funcional; entre outros.

Dormindo com o inimigo
Uma das piores formas de violação de Direitos Humanos, a violência contra as mulheres, ganha proporções que assustam pela gravidade e extensão do problema que atinge todos os países do mundo. As Nações Unidas definem violência contra a mulher como: "Qualquer ato de violência baseado na diferença de gênero, que resulte em sofrimentos e danos físicos, sexuais e psicológicos da mulher; inclusive ameaças de tais atos, coerção e privação da liberdade seja na vida pública ou privada".

Segundo o relatório da Anistia Internacional, apresentado em março deste ano, juntamente com o lançamento da campanha "Acabe com a Violência Contra as Mulheres", uma em cada três mulheres sofrerá algum tipo de violência sexual durante sua vida. De acordo com a Anistia Internacional, na maior parte dos casos, o agressor é ou será algum parente ou conhecido da vítima.

O relatório aponta que, se colocássemos o mundo numa aldeia global de mil pessoas, a violência contra as mulheres se representaria da segunda forma: 500 seriam mulheres. Deveriam ser 510, mas 10 nunca chegaram a nascer devido a abordo seletivo em função do sexo ou acabaram morrendo na infância devido ao abandono; 300 são mulheres asiáticas; 105 analfabetas; 145 mulheres vivem com menos de um dólar por dia; ?167 recebem surras ou estão expostas a sofrer algum tipo de violência durante a vida; e 100 mulheres sofrem violação ou intensa violação durante sua vida.

A violência se dá no âmbito público - nos Estados Unidos, se violenta uma mulher a cada 90 segundos - e no âmbito privado: 47% das mulheres têm sua primeira relação à força e mais de 70% das mulheres são vitimas de assassinato por seus companheiros ou cônjuges. Na Europa essa violência doméstica fica mais evidente. Ela é a maior causa de morte entre mulheres de 16 a 44 anos, superando o câncer e acidentes trágicos.

A violência contra as mulheres passa ainda pelas práticas nocivas mantidas ao longo dos anos pelas culturas tradicionais. Segundo o relatório, mais de 135 milhões de meninas e mulheres foram submetidas à mutilação genital e mais outras dois milhões correm perigo de serem submetidas a esta pratica a cada ano, cerca de 6 mil a cada dia.

No Brasil, a situação não é tão diferente e reproduz a violência praticada no resto do mundo. A pesquisa da Fundação Perseu Abramo - A Mulher Brasileira nos Espaços Público e Privado, realizada em 2001, indicou que 11% das mulheres acima dos 15 anos, o equivalente a 7 milhões de brasileiras, já foram agredidas ao menos uma vez. Os casos que aparecem nas delegacias de polícia envolvem, em sua maioria, a população mais pobre. No entanto, pelo menos 20% dos casos de violência contra as mulheres ocorrem nas classes média e alta. Estima-se que a cada 15 segundos uma mulher é agredida, normalmente em seu lar, por uma pessoa com quem mantém relação afetiva. A violência doméstica custa ao país cerca de 10,5% do seu PIB.

As causas da violência, principalmente a doméstica, são diversas e complexas, mas, de acordo com Susane Mailloux, coordenadora da Casa Sofia, entidade da zona Sul de São Paulo, que atende cerca de 200 mulheres vítimas de violência por mês, a educação diferenciada e, principalmente a cultura machista, que garante aos homens poder sobre as mulheres, é ainda o principal motivo deste quadro de violência.

Para Célia Regina Zapparolli, advogada e presidente da organização Pró-Mulher Família e Cidadania, "a forma de enfrentamento dos conflitos tem um caráter cultural também. Em algumas culturas, como a nossa, o bater, o gritar, o ofender acabam justificados e, corriqueiramente, os envolvidos no contexto ou em determinados grupos, nem se apercebem que certas situações ou atitudes são violência. A desqualificação, o abandono, a negligência e o preconceito são violência, uma violência muito mais sutil, pouco reconhecida como violência pelos nossos padrões sociais e culturais".

A advogada ressalta que a violência familiar não escolhe classe social, idade ou sexo, mas que existem fatores que a favorecem, como as drogas, o álcool, a situação de miserabilidade, entre outros, "que derivam de aspectos e de um contexto psicológico, social e jurídico. E, sem o enfrentamento dessas questões é quase impossível se administrar e solucionar esse tipo de violência".

Os impactos dessa violência na vida das mulheres também são profundos, prejudicando sua saúde física e mental, principalmente a auto-estima. Susane conta que, em sua grande maioria, as mulheres passam de 10 a 15 anos sofrendo caladas antes de buscar ajuda ou apoio para sair dessa situação de violência. Desta forma, quando chegam à entidade, já estão muito comprometidas psicologicamente e emocionalmente abaladas. "Normalmente, elas vão tentando ajeitar a situação e acham que isso um dia vai mudar. O problema é que os filhos também são afetados, pois ela reproduz a agressão que sofre", comenta.

Por medo de represálias, falta de independência econômica e dependência afetiva, ou por preocupação com os filhos, a mulher não denuncia a violência. Segundo um estudo da Organização Mundial da Saúde, em 2002, de 20 a 70% das mulheres que haviam sido abusadas não contaram nada a ninguém até serem entrevistadas pela entidade. No Egito, por exemplo, 47% das mulheres vítimas de violência também não relataram o ocorrido e, no Chile, somente 3% destas mulheres foram à polícia. A impunidade e a falta de uma legislação eficaz são agravantes e favorecem a continuidade da violência.

A presidente da Pró-Mulher explica que o procedimento judicial a ser observado deve levar em conta o tipo penal e a natureza da lesão. No caso da violência intrafamiliar, "hoje, se a lesão for leve, será observado o procedimento da lei 9.099/95 (dos Juizados Especiais) através do qual, pela estrutura estatal hoje implantada, na maioria das vezes, num primeiro processo, ocorre simplesmente a transação (o acordo) penal ou a condenação a cestas básicas ou serviços comunitários desconectados do ato anti-social praticado, sem possibilitar-se a ressocialização ou reflexão do agressor sobre o ato ofensivo. Já, se a lesão for grave e o tipo penal permitir, o procedimento e a pena serão bem mais rígidos, com previsão da pena restritiva de liberdade, inclusive diante de eventual júri popular". O problema, na opinião da advogada, é que a grande maioria dos atos de violência intrafamiliar são processados sob o rito da lei 9.099/95, o que, da forma até hoje posta, acaba sendo desmoralizador e ineficaz.

Júnia Puglia acredita que, da forma que a lei está sendo aplicada, há uma banalização da violência. Susane ressalta ainda que, apesar de ter aumentado o número de Delegacias de Mulheres, o atendimento não é também adequado. Hoje, não há abrigos e entidades especializadas suficientes para receber com qualidade estas mulheres. "Muitas vezes, as próprias funcionárias da delegacia não encorajam as mulheres a denunciar. Elas perguntam: 'você tem certeza de que quer fazer isso?'. Além disso, em alguns momentos são as mulheres que recebem a intimação para entregar ao seu agressor, neste caso companheiro ou marido, para que vão depor. Ou seja, não sabem do seus direitos e não exigem que isso seja feito pela delegada. Desta forma, acabam se colocando em risco novamente", aponta a coordenadora da Casa Sofia.

Uma das ações desenvolvidas pela Pró-Mulher, em conjunto com o Juizado Especial Criminal de Família Central, é a elaboração do projeto piloto "Íntegra", que procura mudar o modelo atual, das cestas básicas e de acordos desconectados do ato praticado. A proposta é promover uma atuação interdisciplinar: mediação, jurídica e psicossocial, levando-se o indivíduo a refletir sobre suas ações, propiciando a ressocialização, a modificação do contexto, com o atendimento e acolhimento da vítima e seus familiares.

Na opinião das especialistas, a lei mostrou que, se o problema for abordado somente nos méritos criminal e judicial, o quadro não irá se reverter. Sendo assim, as especialistas acreditam que é necessário um trabalho em conjunto, com todos os envolvidos, seja vítima ou agressor. A Pró-Mulher, por exemplo, introduziu um método próprio da Mediação Familiar Interdisciplinar, que não é reconciliação, mas um meio não adversativo de administração de conflitos. Com isso, a evasão dos usuários reduziu-se de 70 a 18 %. A advogada Célia Zapparolli afirma que, hoje, muitos homens participam das atividades de acompanhamento e, em diversos casos, procuram a organização como prevenção. São mais de 13 mil atendimentos, tanto de homens como mulheres, por ano na entidade.

DANIELE PRÓSPERO
do site Setor3

   
 
 
 

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