Os homens
não são mais o alvo primário da epidemia
de Aids que assola o mundo. Dos portadores do HIV que têm
hoje entre 15 e 24 anos, 60% são mulheres, alerta um
relatório da ONU. Pior: nessa faixa etária,
elas têm, em média, três vezes mais chance
do que eles de serem contaminadas, diz o documento. E a principal
forma de infecção é o sexo heterossexual.
O estudo, preparado pelo Unifem (Fundo de Desenvolvimento
das Nações Unidas para as Mulheres), será
divulgado hoje na 15ª Conferência Mundial de Aids,
em Bancoc (Tailândia) e foi obtido antecipadamente com
exclusividade no Brasil pela Folha.
Nele, são discutidas as principais causas e conseqüências
de a proporção de mulheres sexualmente ativas
(entre 15 e 49 anos) infectadas no mundo ter subido em oito
das dez regiões pesquisadas entre 2001 e 2003 e chegado
a 48%. Em 19 anos, foi um salto de 13 pontos.
A proporção só não subiu na África
Subsaariana -que concentra mais da metade dos casos do mundo
e onde as mulheres já perfazem 57% da população
vivendo com Aids-, no norte da África e no Oriente
Médio.
O mapa traçado pelo Unifem mostra que a fração
feminina de infectados pelo HIV cresce de acordo com o grau
de pobreza e desenvolvimento da região. Enquanto na
África Subsaariana elas são 57% dos infectados,
na América do Norte e na Europa ocidental são
cerca de 25%, e na Oceania, 20%. Já as latino-americanas
são 36% em sua região. Os números do
relatório foram obtidos por outras agências da
ONU, como a Unaids, ou provêm de governos e de ONGs
reputadas.
Violência e desinformação
Os maiores impulsos para esse salto, diz o Unifem, vêm
da violência sexual e da falta de informação
-entra aí a defasagem educacional da população
feminina em boa parte do mundo. Uma pesquisa citada no relatório
infere que 700 mil casos de infecção de jovens
adultos seriam evitados por ano se todas as crianças
tivessem educação primária completa.
Há, ainda, o problema cultural: enquanto em muitos
lugares é socialmente aceito que o homem tenha várias
parceiras, a mulher tem de se manter fiel e abdicar do preservativo
com seu parceiro. A cultura do silêncio, diz o estudo,
é um dos maiores aliados do vírus.
Porque as mulheres têm menos direitos e poder do que
os homens em boa parte do globo, elas estão menos aptas
a negociar a prática segura de sexo. A pobreza, por
sua vez, tem maior efeito em termos de disseminação
da Aids sobre a população feminina, pois estimula
o tráfico de mulheres e tende a empurrar mais delas
para a prostituição. Em lugares como a África
do Sul, é comum que homens mais velhos assumam as despesas
de uma ou mais jovens em troca de favores sexuais.
Outro fator que tem contribuído para disseminar o
vírus em ritmo acelerado entre elas é o fato
de, cada vez mais, o estupro sistemático se tornar
arma de guerra. Durante o genocídio em Ruanda (1994),
centenas de milhares de mulheres foram estupradas, muitas
por portadores do HIV.
A violência doméstica também segue preocupante:
estudos citados no relatório indicam que, dependendo
do lugar no mundo, de 10% a 69% das mulheres são vítimas.
Espancadas e humilhadas, muitas temem pedir que seus parceiros
abandonem um comportamento sexual promíscuo ou usem
preservativo, criando um círculo vicioso, já
que, uma vez infectadas, elas passam a ser espancadas ou são
abandonadas. Sem romper o ciclo, enfatiza o Unifem, será
impossível conter o vírus.
Impacto desigual
As mulheres também são, segundo o relatório,
as mais prejudicadas pelo crescimento da epidemia de Aids.
Em 90% dos casos, são elas que assumem a tarefa de
cuidar de parentes contaminados ou de crianças que
se tornam órfãs por causa da Aids. Meninas e
adolescentes, em muitos lugares, são as primeiras a
serem tiradas da escola para cumprir a função.
Sem educação, acabam colaborando para a propagação
do vírus. Sem rendimentos e economicamente dependentes
do homens, ficam mais suscetíveis à infecção,
pois dependem deles para comprar preservativos e acabam sofrendo
mais abusos.
A solução proposta pelo Unifem é garantir
que as mulheres, sobretudo as adolescentes, tenham conhecimento
e meios para evitar a infecção. Hoje, só
20% das mulheres que precisam de acesso a serviços
de prevenção os têm.
Um bom caminho, sugere o relatório, é fomentar
os direitos femininos, instituir a tolerância zero para
a violência contra a mulher, estimular a igualdade de
direitos e apoiar as entidades anti-Aids geridas por mulheres.
LUCIANA COELHO
da Folha de S. Paulo
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