Depois
de uma série de divergências internas sobre a
questão das drogas, o governo federal prepara um realinhamento
da política nacional que trata do assunto definindo
o consumo como um problema de saúde pública,
e não policial, como acontece hoje.
Haverá ainda um decreto presidencial criando regras
para o atendimento a dependentes, com ênfase em redução
de danos, conforme revelou ontem "O Globo".
A mudança representa uma guinada na forma como o governo
vê a questão. Se até hoje as autoridades
priorizavam a redução da demanda, ou seja, acreditavam
que campanhas de prevenção poderiam eliminar
o consumo, a idéia agora é reduzir o dano à
saúde desses consumidores. Desde 2003, as equipes dos
ministérios da
Saúde e da Justiça pressionavam a Senad (Secretaria
Nacional Antidrogas) a dar mais atenção aos
usuários em vez de campanhas de repressão ao
consumo.
O novo foco será evidenciado com a mudança de
nome da política. Passa de "Política Nacional
Antidrogas" para "Política Nacional sobre
Drogas". "Mudar o nome é simbólico,
haverá mudança de orientação.
O país está amadurecendo ao aceitar uma postura
mais pragmática", diz Pedro Gabriel Delgado, coordenador
de Saúde Mental.
O ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional
da Presidência, general Jorge Armando Félix,
também dá seu aval. "Os dependentes são
problema de saúde pública, devem ser tratados
como pessoas com qualquer outro tipo de doença, particularmente
da área de psiquiatria, precisam de acompanhamento
e atendimento."
Sob essa nova ótica, um decreto do presidente Lula
vai regulamentar a área de redução de
danos, possibilitando a ampliação da uma rede
de atendimento a usuários e a criação
de locais de uso seguro. Antes de abrirem as portas, esses
locais vão precisar de autorização do
Ministério da Saúde e contarão com avaliação
permanente. Preferencialmente, os ambientes serão monitorados
por universidades e destinados a usuários de maior
risco, como o uso de cocaína injetável e crack.
O decreto vai conceituar o papel do agente redutor de danos,
um profissional de saúde que será responsável
pelo contato direto com o usuário. É ele, por
exemplo, que vai fornecer seringas esterilizadas e fazer o
acompanhamento do quadro do dependente. Hoje, organizações
não-governamentais, com o apoio da pasta da Saúde,
já desenvolvem programas de redução de
danos, mas esbarram em limitações ou proibições
do Judiciário, pois não há regulamentação
desse tipo de trabalho. Para atender à demanda, há,
segundo Delgado, 80 Caps-Ad (Centros de
Atenção Psicossocial de Álcool e Drogas)
funcionando. O número é insuficiente e a expansão
está travada pelas restrições orçamentárias
do governo. A meta para 2005 é chegar a 250 unidades.
Depois de muita controvérsia e seis fóruns em
diferentes Estados, o governo fará dia 24 um fórum
nacional para finalizar a nova política. Estão
envolvidas as pastas de Saúde, Educação,
Justiça, Direitos Humanos e a Senad. A ênfase
será na redução de danos e demanda.
Segundo o secretário nacional Antidrogas, general Paulo
Roberto Uchôa, o governo decidiu centrar esforços
no combate ao narcotráfico, deixando ao usuário
o atendimento médico. "A droga é uma coisa
inerte. Não combato penicilina nem merthiolate. Agora,
combato o tráfico. A droga tenho que conhecer, para
poder educar e preparar a sociedade e a juventude para não
fazer uso indevido da droga."
Para Delgado, após um ano e 11 meses de discussão,
o governo chegou a um consenso. "Droga é uma questão
polêmica. Arestas sempre vão existir. É
importante tirar um vetor comum, um rumo. Os três ministérios
estão afinados", diz o coordenador.
LUCIANA CONSTANTINO
IURI DANTAS
da Folha de S.Paulo
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