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A economia
solidária vem crescendo no país a cada ano.
No entanto, a legislação parece ser ainda um
embate a ser enfrentado pelos empreendimentos para se fortalecerem
e ampliarem suas ações. Surge, cada vez mais,
a necessidade de se criar mecanismos jurídicos para
reconhecer esta nova economia a fim de garantir direitos aos
seus trabalhadores também. Essa é a opinião
dos especialistas participantes do Fórum de Economia
Solidária, realizado pelo Senac São Paulo, no
dia 8 de novembro, com o tema "Aspectos Jurídicos
da Economia Solidária".
Fábio José Bechara Sanchez, chefe de gabinete
da Secretaria Nacional de Economia Solidária, ressaltou
que, a primeira barreira é enquadrar a economia solidária,
já que este é ainda um conceito em construção,
com muitas fronteiras em aberto. Hoje, define-se economia
solidária como toda forma de organizar a produção,
a circulação, o crédito, o consumo, regidos
pelo princípio da democracia e organização
coletiva e autogestão Isso significa que cada um dos
membros da atividade econômica tem direito ao voto e
à voz, independente do capital que tenha investido
ou o cargo que ocupa.
De acordo com deputado Simão Pedro, da Comissão
Parlamentar de Economia Solidária, o desafio se deve
ainda pelo fato da economia solidária buscar uma nova
cultura, frente aos valores da sociedade capitalista, que
está baseada no individualismo e na busca do lucro,
"combatendo valores da solidariedade, compromisso social,
da ética". "Por isso temos muito trabalho
pela frente, pois estamos remando contra a maré. Hoje,
a cultura que existe diz que os problemas sociais, principalmente
o desemprego, não são problemas da sociedade,
mas sim algo individual, ou seja, culpa sua por não
ter estudado, se esforçado", comentou.
Segundo Sanchez, hoje muitos empreendimentos solidários
são juridicamente regulamentados como cooperativas.
No entanto, nem toda cooperativa é economia solidária
e vice-versa. Atualmente, a legislação das cooperativas
ainda está muito relacionada às características
rurais, o que não condiz com a realidade. Ele lembrou
que, desde a década de 80, novas experiências
começaram a ser desenvolvidas pelos trabalhadores numa
organização coletiva, principalmente como fruto
do aumento do desemprego e da exclusão social.
Neste processo, surgiram diversas entidades que vieram apoiar
a constituição destes empreendimentos que buscavam
gerar renda para seus membros. Nesse cenário, surgiram
diversos casos de empresas em falência, em que seus
trabalhadores assumiram o ativo do negócio e começaram
a trabalhar na forma de autogestão, com apoio da Anteag
(Associação Nacional dos Trabalhadores em Empresa
de Autogestão) e da ADS (Agência de Desenvolvimento
Solidário), ligada a CUT. Sanchez destacou ainda as
várias cooperativas populares que surgiram nas periferias,
além das ações nos assentamentos rurais,
ligados ao MST e também incubadoras a partir das universidades.
A partir da década de 90, estas iniciativas começaram
se articular, principalmente com o Fórum Social Mundial,
e os Fóruns de Economia Solidária, tanto nacional
quanto estaduais e municipais, surgindo assim políticas
públicas em algumas cidades. Os empreendimentos começaram,
portanto, a se organizar num movimento social, construindo
uma plataforma de ações a partir dos gargalos
da economia solidária. Um destes pontos de destaque,
de acordo com Sanchez, foi justamente o marco jurídico
que vem sendo discutido pela Secretaria de Economia Solidária
junto ao movimento.
Para isso foi constituído um Grupo de Trabalho para
estudar o assunto, com a proposta de criação
de um estatuto da economia solidária, a fim de que
haja uma regulamentação própria. O chefe
de gabinete da Secretaria destacou algumas ações
que vêm sendo feitas neste sentido, como o encaminhamento
de um projeto ao Congresso Nacional, pelo deputado Gabeira,
para a conceituação e definições
das empresas de autogestão. Mas esse projeto está
tramitando há anos no Congresso.
Outro posicionamento adotado pelo movimento foi definir
o que realmente são cooperativas. Isso porque, de acordo
com Sanchez, há um uso constante desta forma de regularização
de forma fraudulenta, surgindo assim as "cooperfraudes"
ou "coopergatos", que utilizam as cooperativas para
precarizar o trabalho, durante um processo de terceirização,
já que o cooperado não tem vinculo empregatício.
Hoje, acredita-se que 50% dos empreendimentos estão
regulamentados como cooperativas. Os outros são associações,
grupos informais e até sociedades anônimas. "Por
isso precisamos pensar se vamos criar conceituação
própria ou utilizar as formas jurídicas que
já existem. Atualmente, um problema é que para
se tornar cooperativa, é necessário se ter pelo
menos 20 pessoas. E muitos grupos não trabalham desta
forma", comentou Sanchez. O deputado ressaltou que, hoje,
as melhores experiências são aquelas promovidas
por cerca de cinco a sete trabalhadores.
Há ainda, na opinião de Sanchez, a necessidade
da economia solidária dialogar com outras legislações,
como a Lei de licitações ou compras públicas,
com o objetivo do Estado, por exemplo, adquirir os produtos
de empreendimentos sociais para formação e fortalecimento
destes grupos. No entanto, isso ainda não ocorre. "A
gente nunca consegue participar destas concorrências.
O Estado não está preparado para receber a proposta.
Assim, ficamos sempre concorrendo atrás de pequenos
contratos, que não têm continuidade em longo
prazo. Tudo tem que ser feito num ritmo louco para podermos
manter o empreendimento auto-sustentável", desabafou
Nilda Francisca de Araújo, presidente da Cooperativa
de Trabalho Cooperbrilha, formada na Incubadora Tecnológica
de Cooperativas Populares da USP (Universidade de São
Paulo). A cooperativa foi formalizada em abril de 1999 e atua
na área de jardinagem e construção civil,
com a participação de 25 membros.
A lei de falências é outra que ainda apresenta
entraves, mas poderia facilitar a manutenção
dos postos de trabalho por parte dos trabalhadores que tenham
interesse de assumi-las na autogestão. O chefe de gabinete
ressaltou que foram feitas tentativas para incluir um artigo
na lei que contemplasse essa possibilidade de recuperação
das empresas, mas não teve sucesso.
Desta forma, estes trabalhadores têm dificuldade de
ter acesso às políticas de crédito para
capital de giro, pois estão em situação
falimentar. Neste caso, a proposta é criar incentivos
fiscais, apesar do pagamento de grande parte da dívida,
seja para a União ou para os Estados, ainda não
ter sido feito, até que esta empresa se recupere. Ele
acredita que, apesar disto, as mudanças feitas na lei
de falência teve avanços, como a recuperação
judicial das empresas.
Na antiga legislação, havia uma demora de
cerca de dez anos para ela ser passada aos trabalhadores,
e, portanto, quando isso ocorria, a indústria já
estava sucateada. Agora, com a nova lei, há uma possibilidade
de agilizar o processo. Outra questão é sobre
os tributos. "Precisamos pensar formas e incentivos fiscais
para estas experiências. Uma opção seria
incluir empreendimentos populares na formalização
de super simples, que hoje é utilizada para empreendimentos
individuais", comentou Sanchez.
"A questão da tributação é
fundamental. Não temos como enquadrar estas iniciativas,
que buscam a repartição da renda, a divisão
mais solidária dos resultados, da mesma forma que as
empresas privadas e capitalistas. Deve haver outro tipo de
taxação", concluiu Simão. A legislação
trabalhista também faz parte destas discussões,
apontou Sanchez, pois hoje são direitos quase que exclusivamente
dos empregados com carteira assinada, não englobando
os cooperados, autônomos ou informais.
O deputado ressaltou ainda a constituição
de uma Frente Parlamentar, multipartidária, que incorpora
as experiências de vários vereadores, a fim de
criar um projeto de lei para fomentar e dar apoio aos empreendimentos
solidários. Ele acredita ser necessária a constituição
de um fundo estadual e também de um conselho estadual,
além de fortalecer espaços para esta discussão,
como os Fóruns de Economia Solidária. Para Simão,
o problema, no entanto, estaria na falta de continuidade dos
projetos desenvolvidos pelos governos, quando muda a gestão,
o que acaba interrompendo essas experiências e não
permitindo avançar.
"A questão não é criar novas leis,
mas sim políticas públicas. É isso que
vai fazer diferença. São políticas de
crédito, formação, tecnologia, conhecimentos
específicos. O movimento mundial que vem atacando os
direitos conquistados pelos trabalhadores. Tem que fazer frente
ao processo de precarização como um todo. É
a universalização dos direitos dos trabalhadores",
comentou o chefe de gabinete da Secretaria.
Nilda lembrou ainda que a legalização não
é a salvação para os empreendimentos.
A falta de profissionais preparados para trabalhar junto a
estes empreendimentos, na formulação de estatuto,
documentos para a inscrição estadual, contabilidade,
é outra barreira a ser enfrentada. "Além
disso, não trabalhamos apenas com a geração
de trabalho e renda. Os empreendimentos são formados
por pessoas, que aprendem a autogerir e a se formar quanto
cidadãos, e até se relacionar de forma diferente
com a sua comunidade, já que trabalham com o desenvolvimento
local. Por isso a necessidade de uma legislação
específica. É algo muito bom que deve ser incentivado
a permanecer", aponta a presidente da cooperativa, incentivando
a sociedade civil a sugerir proposta e cobrar do poder publico.
Neste contexto é que se fortalecem, garante o deputado,
as redes, principalmente quanto à viabilidade de comercialização
dos produtos confeccionados pelos empreendimentos. As feiras
solidárias são um exemplo de espaços
que propiciam essa troca e fortalecem os empreendimentos.
Sanchez destacou que já estão sendo articulados
a criação de Centros Públicos de Economia
Solidária, para que se torne algo permanente.
"Por isso o movimento precisa exigir e garantir o seu
espaço. E Isso significa representação
política, num movimento de mão dupla. O processo
de participação exige que o governo se abra
e depende das propostas dos movimentos", apontou Simão
Pedro.
DANIELE PRÓSPERO
do site Setor3
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