Em meio
a uma parafernália de leis, impostos, papéis,
carimbos, cartórios, taxas e contribuições,
a pesada conta da burocracia continua a ser paga por todos
os brasileiros e, junto dos gargalos de infra-estrutura, é
um dos principais freios ao crescimento da economia. Segundo
a Câmara Brasileira da Indústria de Construção
(CBIC), a burocracia aumenta em 280% a 425% o custo dos imóveis
para as construtoras. Esse aumento, segundo a CBIC, é
atribuído não só à burocracia
dos órgãos federais, mas também dos estaduais,
dos municipais, do judiciário, dos cartórios
e dos licenciamentos ambientais. E o pior: com tantos procedimentos
a serem cumpridos, a corrupção ganha espaço,
tornando a conta ainda mais pesada para o bolso dos brasileiros.
As principais entidades do setor de construção
reuniram-se para elaborar um estudo sobre o custo da burocracia
no setor. O trabalho concluiu que um condomínio de
930 moradias de classe média, por exemplo, leva até
42 meses para ser levantado no Brasil, cinco vezes mais tempo
que os oito meses estimados com base em parâmetros internacionais.
O chamado custo burocracia faz com que as construtoras cheguem
a desembolsar até R$ 1 milhão para a construção
de um condomínio desse tipo, enquanto a obra poderia
ficar em R$ 200 mil.
O estudo aponta pelo menos 50 motivos para o atraso das obras.
Entre eles, a renovação de mais de 20 certidões
durante a construção, a maioria com prazos diferentes
de validade, a falta de previsibilidade na tramitação
de projetos, atrasos em alvarás e licenciamentos e
a dificuldade para enquadrar os projetos nos programas governamentais
existentes. O presidente da CBIC, Paulo Safady, afirma que
tantas exigências acabam criando um terreno fértil
para a corrupção.
”A burocracia é um convite à corrupção.
No momento em que alguém encontra dificuldades e quer
antecipar prazos, dar maior velocidade ao projeto, um dos
meios é a corrupção, o pagamento de propina”,
diz Safady, ressalvando que não se pode dizer que a
prática é generalizada entre os empresários.
Comércio exterior
Outro setor atingido em cheio pela burocracia é
justamente o segmento que iniciou a recuperação
da economia brasileira nos últimos meses, o comércio
exterior. Segundo a Confederação Nacional da
Indústria (CNI), quase 50% dos empresários da
área dizem que a burocracia alfandegária é
o pior obstáculo encontrado quando se trata de importar
ou exportar. São mais de dez ministérios ou
órgãos estaduais envolvidos na liberação
dos produtos.
Segundo estimativas da Fundação Getúlio
Vargas (FGV), do pedido até a entrega do produto no
exterior, os empresários brasileiros gastam em média
120 dias, prazo que gira em torno de 30 dias para seus competidores
internacionais. Grande parte desse tempo é consumido
com papelada e alfândega.
”Falta ao governo eleger a desburocratização
como prioridade. É preciso criar anticorpos para novas
formas de burocratização, essa praga que é
como uma erva daninha: a gente abate, mas ela volta a nascer.
Cada centavo de custo a mais reduz a capacidade de nossas
empresas competirem aqui dentro e lá fora”, afirmou
o diretor-executivo da CNI José Augusto Coelho Fernandes.
O ex-ministro da Fazenda Marcílio Marques Moreira
— considerado um dos maiores responsáveis pela
abertura comercial brasileira, no começo da década
de 1990 — se orgulha de ter aberto as portas do país
para o exterior. Mas lamenta que, desde então, nada
mais foi feito. Segundo ele, a burocracia é ainda maior
para as importações.
”A Receita Federal retém o fluxo de entrada
de produtos, o que paralisa o porto. O país ainda é
muito burocrático, com muita intervenção
do Estado. Fui ministro entre 1991 e 1992. De lá para
cá, a abertura econômica tem andado para trás”,
disse Marcílio.
O ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio
Exterior, Luiz Fernando Furlan, já estimou que as despesas,
os atrasos e os prejuízos decorrentes do excesso de
burocracia e da ineficiência da máquina pública
custam ao país cerca de 5% do Produto Interno Bruto
(PIB, soma das riquezas geradas ao longo de um ano). É
uma quantia em torno de US$ 80 bilhões anuais.
A burocracia não traz apenas prejuízos financeiros.
A imagem do país no exterior também fica arranhada.
Levantamento do Banco Mundial divulgado este ano mostra que
o Brasil é um dos países onde se leva mais tempo
para abrir uma empresa: 152 dias. Na lista de 144 países
analisados, pior do que o Brasil só Laos, Congo, Moçambique
e Haiti. Nos Estados Unidos, a abertura de uma empresa leva
quatro dias; na Austrália, dois.
Pendências
Nem mesmo os projetos do próprio governo para
a população de baixa renda escapam da burocracia.
O Programa de Arrendamento Residencial (PAR), que financia
com recursos do FGTS habitações no valor de
até R$ 32 mil (no caso de Rio e São Paulo) para
famílias com renda de até seis salários-mínimos,
é uma das vítimas.
O gerente nacional do PAR, André Marinho, confirma
a burocracia que é exigida das construtoras pelo programa.
Segundo ele, para aprovar um projeto, a Caixa é obrigada
a observar, entre outros, os aspectos de direito civil, tributário,
previdenciário, trabalhista e ambiental, se defrontando
com legislações diferentes que dependem de cada
unidade da federação. Marinho disse ainda que
cada certidão exigida tem custo e prazos de expedição
e de validade distintos.
Ele admite que toda esta burocracia faz com que as pessoas
tenham que esperar e também gastar mais para terem
sua casa. Mas, segundo ele, a Caixa não tem outra alternativa:
”Como órgão público, não
posso deixar de ver o aspecto legal. Quando a Caixa entrega
um imóvel tem que se certificar de que tudo está
devidamente legalizado”, afirmou.
A Receita é identificada pelos empresários
como um grande foco de burocracia. Retirar uma certidão
negativa no órgão é encarada como uma
corrida de obstáculos, na avaliação de
executivos e contadores. Segundo eles, em alguns casos a Receita
impõe mais de 200 pendências a serem esclarecidas,
muitas vezes envolvendo dívidas inexistentes. Uma reclamação
constante é que a Receita notifica as empresas até
cinco anos depois do fato gerador da dívida. E deixa
para a empresa o ônus da prova. Procurada, a Receita
Federal não quis se manifestar sobre o assunto.
Segundo o presidente do Conselho Regional de Contabilidade
do Rio Grande do Sul, Enory Luiz Spinelli, a burocracia em
vez de diminuir vem aumentando. Ele cita como exemplo as alterações
na cobrança do PIS/Cofins aprovadas em 2003 e que,
neste ano, segundo Spinelli, resultaram em mais dor de cabeça.
Agora, as empresas têm que apresentar um novo demonstrativo,
o chamado Dacon (Demonstrativo de Apuração das
Contribuições Federais).
VALDEREZ CAETANO
DEMÉTRIO WEBER
do jornal O Globo
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