O governo
federal trabalha com uma perspectiva sombria para o sistema
penitenciário brasileiro. Um estudo reservado do Departamento
Penitenciário Nacional (Depen), órgão
do Ministério da Justiça, que está na
mesa do ministro Márcio Thomaz Bastos, prevê
a ''explosão'' do sistema carcerário nos próximos
três anos, como conseqüência da falta de
vagas nos presídios, da política criminal e
da desarticulação dos órgãos de
execução penal, incluindo as secretarias de
administração penitenciária dos Estados.
O documento - redigido pelo diretor do Depen, Clayton Nunes
- prevê um crescimento ''impressionante'' no déficit
de vagas do sistema penitenciário. No ano de 2007,
de acordo com o estudo, ''o déficit será superior
ao número de vagas no sistema carcerário'',
e ''não haverá vagas para a metade da população
prisional''.
O estudo do Depen ajuda a explicar a campanha que Thomaz
Bastos vem realizando para abrandar a Lei de Crimes Hediondos
pela qual, atualmente, as penas para crimes como estupro,
homicídio qualificado e tráfico de drogas têm
de ser cumpridas integralmente em regime fechado. Também
explica a campanha do governo pela ampliação
das penas alternativas. Estas duas medidas desafogariam os
presídios.
O Depen alega no documento que o déficit de vagas
chega hoje a 111 mil presos. Para o ano que vem, atingirá
146 mil vagas. Em 2006, o número sobe para 188 mil
e, em 2007, pela estimativa do departamento, atingirá
223 mil vagas. Os cálculos são feitos com base
na entrada e saída de presos do sistema. Por mês,
entram 9.300 penitenciários e saem 5.800. Há
um ''saldo'' positivo de 3.494 presos por mês. Até
dezembro de 2007, o Brasil passa a ter um total de 476 mil
detentos.
A ''explosão'' - palavra usada duas vezes no estudo
- independe de novos investimentos. ''Dinheiro não
será a solução'', alerta o documento.
O Depen aponta a desarticulação institucional
entre os órgãos de execução penal
como um dos fatores que ''gera conseqüências desastrosas''
ao sistema. Alerta para o ''imenso descompasso'' entre o crescimento
do nível de aprisionamento e o potencial do governo
federal em combater o déficit de vagas.
A elevação dos índices de privação
de liberdade ao longo dos últimos anos, segundo o estudo,
torna o cenário do sistema penitenciário ''mais
dramático''. Em 1992, o país tinha 114 mil presos,
ou 0,07% da população nas cadeias. Em dezembro
último, o percentual subiu para 0,17% da população
na cadeia, ou 308 mil presos.
''Verifica-se que o país passou a prender, ou a manter
preso, mais do que o dobro de indivíduos em pouco mais
de uma década'', alerta o documento.
Para construir as vagas necessárias para abrigar os
presos que entram a cada mês no sistema, o governo federal
teria de investir R$ 3,36 bilhões até dezembro
de 2007, ''montante que nunca se colocou viável'' no
contexto do Fundo Penitenciário Nacional, diz o estudo.
No relatório entregue ao ministro, o diretor do Depen
discorre sobre a ''perspectiva elitista da sociedade'' brasileira,
que se recusa ou não acredita na possibilidade de integração
das parcelas mais pobres aos meios de produção.
Com isso, diz o documento, a tendência mundial é
o brutal recrudescimento da criminalização de
condutas e da aplicação de penas privativas
de liberdade.
Ainda nesta linha de raciocínio sobre a aplicação
das penas, o estudo conclui que, salvo ''pouquíssimos
casos'', a privação de liberdade não
é a medida mais adequada para o controle da criminalidade
ou para ''uma cada vez mais superada concepção
de reeducação do condenado''. A privação
de liberdade ''talvez só esteja a servir para intensificar
processos de exclusão social, estes sim geradores de
criminalidade''.
O Depen sugere que o Estado brasileiro adote o princípio
do ''prender menos e soltar mais''. O estudo também
critica a necessidade de obtenção de superávit
primário do governo federal, de 4,25% do PIB, um ''fator
restritivo'' e ''impeditivo'' para a contratação
de operações de crédito para obter recursos
financeiros para ampliar os recursos do fundo penitenciário.
A liberação dos recursos do Funpen, diz o estudo,
daria para construir 15 mil vagas no sistema.
HUGO MARQUES
doJornal Brasil
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