A campanha
de desarmamento no Rio está atingindo até agora
apenas a classe média. Essa é a conclusão
de uma pesquisa realizada pelo Viva Rio com quase duas mil
pessoas que, de julho a setembro, entregaram suas armas na
sede da entidade, na Glória. Os dados levantados pelos
pesquisadores Pablo Dreyfus e Marcelo Nascimento mostram que
a campanha está recebendo apoio principalmente dos
mais velhos: 42% das pessoas que foram ao posto do Viva Rio
têm 60 anos ou mais. Em seguida, apareceram o grupo
entre 50 e 59 anos (20%), o de 40 a 49 (16%) e o de 30 a 39
(9%). Pessoas com menos de 30 anos representaram 5%. Uma parte
não informou a idade. Os homens foram maioria entre
os que compareceram ao posto: 64%.
Entre os que aderiram à iniciativa, a maioria tem
escolaridade (79% cursaram o ensino médio completo).
A renda familiar também é razoável: em
68% dos casos, mais de R$ 1.300. Até agora, em todo
o Brasil, a campanha já recolheu mais de 150 mil armas,
sendo que São Paulo, Rio e Rio Grande do Sul são
os estados com os melhores resultados.
De acordo com o estudo do Viva Rio, a maioria das pessoas
(66%) entregou apenas uma arma. Alguns números mostram
a ilegalidade do armamento. Segundo a pesquisa, 89% das 2.281
armas entregues não eram registradas e 97% não
tinham nota fiscal. Além disso, a maioria era antiga,
embora 90% ainda estivessem funcionando perfeitamente.
Medo
Para os pesquisadores, é preciso encontrar formas
de a campanha também atingir pessoas mais pobres e
mais jovens.
"A campanha precisa abrir as portas e encontrar o caminho
de acesso aos jovens e às classes pobres. Exigem-se
conta bancária e CPF para que o depósito (do
pagamento pela arma) seja feito. Além disso, os postos
de recolhimento são poucos ainda, nas áreas
centrais, o que dificulta o acesso de quem anda de ônibus",
disse Rubem César.
Num questionário onde são apresentadas várias
razões para a entrega da arma — era possível
escolher mais de uma — a resposta mais freqüente
(81%) foi evitar que ela caísse em mãos erradas.
Em seguida, apareceu o medo de acidente (47%); depois, o receio
de ser vítima da própria arma num possível
assalto (35%).
Para Rubem César, a campanha está atingindo
seu objetivo ao retirar armas da classe média. Mas,
segundo ele, está havendo falta de comunicação
do governo. Devido a isso, de acordo com o pesquisador, chegou
a se gerar uma expectativa de que a campanha pudesse reduzir
o que ele chama de violência criminosa.
"A entrega é voluntária e feita por quem
tem medo de arma, e não por quem vive dela. O combate
à violência continua sendo fundamental",
disse Rubem César.
José Eronides Mendonça, de 61 anos, é
sargento reformado da Marinha e tinha três armas em
seu apartamento. Mesmo morando sozinho, ele conta que não
se sentia seguro com as armas, duas que herdou do pai e uma
que comprou na Marinha. Por isso, decidiu entregá-las.
"A verdade é que agora estou me sentindo mais
aliviado. Nunca me senti em segurança com elas. Acho
que eu nunca as usaria. A melhor maneira de se proteger é
não ter armas", afirmou o militar.
Entre os poucos jovens que compareceram ao posto, havia os
que estavam se desfazendo de armas dos pais. Alair Gama de
Oliveira Júnior, de 22 anos, conta que levou três
revolveres comprados pelo pai, Alair Gama, de 51. O pai estava
com medo de que as armas pudessem ser usadas contra a própria
família.
"Nós discutimos e chegamos à conclusão
de que seria melhor entregá-las. Ficamos com algum
receio, algumas dúvidas sobre se deveríamos
ou não nos desfazer das armas. Esperamos agora que
o estado nos dê segurança", disse Alair
Júnior.
A campanha para recolhimento de armas começou em julho
deste ano, seguindo determinação da lei 10.826
de 2003, que criou o Estatuto do Desarmamento. Desde que a
lei entrou em vigor, portar arma irregularmente passou a ser
crime inafiançável, punido com pena de dois
a quatro anos de reclusão. Quem tiver arma não
registrada em casa pode ser condenado a uma pena de um a três
anos de reclusão.
Para incentivar a entrega de armas, o governo Federal está
fazendo até dezembro uma campanha em que paga entre
R$ 100 e R$ 300 por item. Mas o medo da punição
(13%) e a indenização paga pelo governo (21%)
são motivos pouco apontados por quem entregou as armas
no Viva Rio.
Comparando as armas entregues no posto do Viva Rio com as
apreendidas pela polícia do Rio no ano passado, o estudo
mostra índices semelhantes. Por exemplo, 63% das armas
entregues eram revólveres. Já a polícia
apreendeu 65% de revólveres. O índice de armas
com número de série raspado entregues foi de
18%, contra 19% de armamento com essa característica
apreendido pela polícia. Seis por cento das armas entregues
eram de uso restrito, contra 8% no caso do material recolhido
ano passado.
Para facilitar a vida de quem quer aderir à campanha
do desarmamento, o Viva Rio vai inaugurar no próximo
sábado, às 10h, com o apoio da Polícia
Civil, mais três postos de recolhimento em igrejas na
Barra da Tijuca, em Jacarepaguá e Cascadura. Os postos
funcionarão aos sábados, de 9h às 17h.
Os endereços são os seguintes: Comunidade Presbiteriana
da Barra, na Avenida General Guedes da Fontoura 125, Barra
da Tijuca (telefones 2493-7431 e 9384-9885); Ministério
Apascentar, na Estrada do Cafundá 2, Jacarepaguá
(3891-9300 e 9972-6466); e Igreja Metodista de Cascadura,
Rua Ernani Cardoso 115 (telefone 2269-8298). Informações
podem ser obtidas também pelo telefone 2555-3777, do
Viva Rio, ou pelo site www.armanao.com.br.
As informações são
do jornal O Globo.
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