O economista João Pedro
Stedile, membro da coordenação nacional do MST
(Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), afirmou ontem
que o andamento da reforma agrária no Brasil depende
das invasões e dos acampamentos dos sem-terra.
"Quem decide o volume e a velocidade das famílias
assentadas é a força do povo de se organizar
e continuar ocupando os latifúndios e colocando o povo
nos acampamentos", disse Stedile, em Brasília,
num evento sobre um novo PNRA (Plano Nacional de Reforma Agrária).
Segundo o movimento, o apoio do governo e a meta de assentados
do ministro Miguel Rossetto (Desenvolvimento Agrário)
são insuficientes. O MST e outros movimentos têm
uma audiência hoje com o presidente Lula.
Na conferência, que reuniu cerca de 4.000 sem-terra,
Stedile afirmou que o MST não cairá na "emboscada"
de centralizar a discussão nas metas de assentamentos
nem aceitará as "mentiras" do governo para
justificar a falta de verbas para a reforma agrária.
"Queremos discutir recursos, e não metas. Não
podemos reduzir nosso debate a metas porque seria uma emboscada.
Se o governo diz um número só para nos agradar,
sabemos que está mentindo."
Lula deve anunciar hoje as metas do novo PNRA, predefinido,
segundo Rossetto, com uma meta de assentamento de 355 mil
famílias até 2006. Essa meta foi considerada
"ridícula", "mesquinha" e "insuficiente"
pelos sem-terra, mas, justamente por causa das críticas,
poderá ser ampliada.
Os movimentos exigem a aplicação do anteprojeto
do plano, coordenado pelo economista Plínio de Arruda
Sampaio, que prevê assentar 1 milhão de famílias.
Até 2006, o governo promete o assentamento de 355
mil famílias. O anteprojeto prevê 200 mil ano
entre 2004 e 2006, além de outras 400 mil em 2007.
Esse será o segundo PNRA. O primeiro, lançado
em 1985, no governo Sarney, não saiu do papel.
Stedile também afirmou que os sem-terra devem lutar
principalmente pela "mudança do atual modelo econômico",
e não apenas por um lote de terra.
O evento reuniu, entre outros, o presidente do PT, José
Genoino, e o ministro Miguel Rossetto.
"O governo não pode mais mentir e dizer que não
tem dinheiro para a reforma agrária. Nem pode dizer
que a culpa é do FMI, pois Lula assumiu o compromisso
de que não teriam mais ingerência em nossa política."
De acordo com o coordenador nacional do MST, o governo "deixa
o ministro Rossetto com meia dúzia de trocados e segurando
o abacaxi" e, ao mesmo tempo, "continua pagando
bilhões de reais em juros para os bancos".
"Dizem que há três formas de mentir: não
dizer a verdade, mentir e usar estatísticas. Não
podemos puxar o saco do Lula nem transformá-lo em nosso
deus nem cair no simplismo [de discutir apenas as metas]."
Ao dizer que há pessoas que querem manter o neoliberalismo
no governo Lula, Stedile aproveitou para cutucar os ministros
Antonio Palocci Filho (Fazenda) e Roberto Rodrigues (Agricultura).
"São eles os que querem como modelo a agricultura
que se pratica em Ribeirão Preto [SP], onde o Palocci
foi prefeito e o ministro da Agricultura tem fazenda. Ribeirão
é tido como símbolo do agronegócio, mas
é também o símbolo da pobreza e da desigualdade."
Marcha
A marcha com cerca de 2.000 sem-terra que saiu de
Goiânia no dia 10 e chegou a Brasília anteontem
seguirá hoje para a Esplanada dos Ministérios.
Será reforçada por outros 2.000 trabalhadores
rurais ligados à Contag (Confederação
Nacional dos Trabalhadores na Agricultura) que estão
acampados na capital federal. A concentração
será às 9h, em frente ao Palácio do Planalto.
À tarde, seguem para a Embaixada dos EUA, onde farão
uma manifestação contra a Alca (Área
de Livre Comércio das Américas).
Eduardo Scolese,
do Agora, em Brasília.
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