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23/04/2004
A revolução das sapatilhas

Terça-feira à tarde. Enquanto um helicóptero da Polícia Militar sobrevoa baixo a favela da Mangueira, no sopé do morro, sentado em bancos da Vila Olímpica, um grupo de mães conversa com uma psicóloga no mesmo instante em que suas filhas, concentradíssimas, fazem aula de balé. Não muito distante dali, 24 meninas com idades entre 7 e 12 anos correm pelas ruelas do Jacarezinho para, em vez de brincar, chegar a tempo na quadra da associação de moradores, onde, com suas malhas pretas e cabelos presos com rede, vão assistir a mais uma aula de balé. Àquela hora, cenas iguais se repetem em mais oito comunidades da cidade, da Zona Norte à Sul, do Tuiuti e Salgueiro ao Cantagalo e até a Rocinha.

A invasão nas favelas de uma dança que por mais de meio século foi passatempo somente de moças ricas ou de classe média atende pelo nome de Dançando Para Não Dançar. O projeto concebido e carregado pela bailarina Thereza Aguilar desde 1995 vem promovendo uma revolução nada silenciosa das sapatilhas nas áreas pobres da cidade.

Parcerias internacionais
Hoje, são 450 alunos em dez pontos, com direito a assistência psicológica e social, treinamento musical, atendimento dentário (inclusive de ortodontia), encontros de pais, convênios com o Balé Nacional de Cuba e com uma escola de dança em Berlim (a Staatliche Ballet Schule). O financiamento é da Petrobras, que há três anos dá R$ 374 mil anuais. Na ponta do lápis, Thereza faz milagre com cerca de R$ 80 por aluno.

"Nem todos que fazem aula vão ser bailarinos, mas já é uma vitória abrir o leque de atividades dessas crianças e adolescentes. A arte em si tem a chance de transformar através da disciplina, do respeito e da cidadania. E a prática já nos mostrou que muda o dia-a-dia de quem faz mas também de quem está em volta", diz Thereza, que mistura a didática e a rigidez típicas de alguém que estudou balé na Alemanha comunista e em Cuba. "A dança pura não resolve nada. É o entorno, com a assistência social e todos os outros benefícios, que ajuda a amenizar os problemas que cercam essas crianças".

Das primeiras aulas para duas dúzias de meninas na salinha improvisada do Cantagalo em 1995 até as salas equipadas de hoje, com linóleo e espelhos, Thereza tem muitas histórias para contar e se orgulhar. Nunca fechou nenhum posto — embora, na semana passada, tenha sofrido com a violência na Rocinha, onde foi obrigada a suspender as aulas. E nunca diminuiu o número de beneficiados — a cada ano a cifra sobe. Não por acaso, entre os 32 projetos sociais de dança no Rio mapeados pela crítica Silvia Soter na pesquisa “Elementos de uma cartografia da dança carioca” (artigo da coletânea “Lições de Dança 4”, a ser lançada na próxima semana), ela merece lugar de destaque. Se não é o pioneiro pioneiro, o Dançando é o segundo projeto mais antigo. Mas nenhum outro tira-lhe o cetro de maior de todos. Os resultados estão nas caras e nas pontas dos pés dos bailarinos. E melhor, de seus pais, mães e avós.

"Sou nascida e criada no Rio, mas só com 50 anos é que entrei pela primeira vez no Teatro Municipal, por causa do Dançando Para Não Dançar", conta Selma Maria Bernardo Marques, dona da cantina vizinha à sala do projeto encarapitada no alto do Cantagalo, dentro do Ciep João Goulart. "Fui lá para ver as meninas dançando e descobri um mundo que nem imaginava".

Fã da trupe do Dançando, dona Selma não perde as apresentações da turma mais velha (de 13 a 17 anos) — agora já chamada de companhia — que vira e mexe se apresenta em palcos da cidade, como o Municipal, no ano passado, no aniversário do teatro, ou, esta noite, no Teatro Odylo Costa, Filho, da Uerj, no 21 Festival Nacional de Dança. São coreografias clássicas, como “Paquita” e “Coppélia”, sempre muito bem ensaiadas, fruto de encontros noturnos da turma, no Cantagalo e, aos sábados, na Mangueira.

Aulas na Maria Olenewa
No fim do ano, como já virou tradição, todos os 450 alunos sobem em cena para um espetáculo a céu aberto. Já estiveram na Cinelândia e no Aterro do Flamengo.

"Minha maior surpresa foi perceber que aqui não tem tempo ruim, todo mundo ensaia até a exaustão, até porque ninguém está acostumado com vida tranqüila", avalia Paulo Rodrigues, primeiro bailarino do Teatro Municipal e hoje braço direito de Thereza no projeto. "Acabamos com essa história de que balé é só para a elite".

A megaestrutura que tem entre seus quadros professores como Paulo e Norma Pinna (do Municipal) transformou-se no maior fornecedor de jovens bailarinas para a Escola de Dança Maria Olenewa — principal referência do balé clássico aqui. Só este ano, 55 alunas do Dançando também freqüentam as salas da escola da Lapa. Para que chegassem lá, o projeto pagou a inscrição nas provas (R$ 150) e a anuidade (R$ 150), comprou uniformes e sapatilhas e agora se encarrega de fornecer vale-transporte.

"A gente aprende muito mais do que as meninas que só têm aulas aqui", diz, orgulhosa, Karen Caroline da Silva, de 9 anos, chegando da Lapa para mais uma aula no Dançando do Jacarezinho.


As informações são do jornal O Globo.

   
 
 
 

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