A partir de hoje, o porte ilegal
de armas é crime inafiançável e comprar
uma arma fica muito mais difícil. Ao sancionar ontem
o Estatuto do Desarmamento, em solenidade no Palácio
do Planalto, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva
disse que a nova lei não tem apenas o objetivo de reduzir
a ampla circulação de armas no país,
mas também visa a interromper as fontes de abastecimento
do crime organizado.
"Um primeiro passo será integrar os registros
do Departamento de Fiscalização do Exército
com as listagens da Polícia Federal. Significa que
vamos fechar o cerco às quadrilhas organizadas que
atuam na receptação de armamento ilegal e abastecem
a delinqüência comum", disse Lula.
O presidente disse que a sanção do estatuto
é um presente de Natal para milhões de brasileiros
que dedicaram suas vidas a combater a violência no país.
Segundo ele, o fato de a lei ser promulgada às vésperas
do Natal não é coincidência:
"Expressa a vontade unânime da sociedade de cortar
a espiral de violência que nos inquieta e nos constrange
perante a humanidade e a civilização. Nada é
mais urgente diante da violência do que construir a
paz", disse Lula, lembrando que o Brasil ostenta o recorde
de um assassinato a cada 12 minutos.
Lula lembrou também do referendo que, pelo estatuto,
deverá ser realizado em outubro de 2005 para que o
povo diga se concorda com a proibição do comércio
de armas. Ele disse acreditar que o Brasil pode vencer seus
desafios de maneira "firme, pacífica e corajosa",
e disse que, para isso, os brasileiros devem agir de forma
"cada vez mais vigorosa e preventiva contra a violência".
"O estatuto certamente não será a solução
para tudo, mas é um passo excepcional que vai poder
nos dar, até a realização do referendo,
o grau de maturidade que o povo brasileiro tem para enfrentar
este problema, que é um dos mais graves", disse
Lula.
Pena de até 12 anos para contrabandista
Com a publicação da lei no Diário
Oficial hoje, entram imediatamente em vigor penas mais rigorosas
para o porte ilegal de armas e a posse de armas não
registradas. Para os contrabandistas de armas, ela pode chegar
a 12 anos de cadeia. Só não é crime inafiançável
ser flagrado portando arma ilegalmente se a arma tiver sido
comprada dentro da lei e for registrada em nome do portador.
A partir de hoje, para comprar uma arma de fogo o cidadão
precisa ter pelo menos 25 anos de idade e apresentar declaração
de efetiva necessidade, certidões de antecedentes criminais
e de não estar respondendo sequer a inquérito
criminal e documentos que comprovem ocupação
lícita e residência certa. Mesmo assim, só
poderá sair com a arma da loja depois de autorizado
pelo Sistema Nacional de Armas (Sinarm), órgão
do Ministério da Justiça.
O Viva Rio e o Instituto Sou da Paz, ONGs que lutaram pela
aprovação do estatuto no Congresso, acreditam
que somente essas exigências já diminuirão
em muito a circulação de armas e, com isso,
os crimes de motivação fútil. Mas ainda
dependem do decreto de regulamentação da lei
— que o Ministério da Justiça agora vai
elaborar — aspectos importantes do estatuto, como a
determinação para que os fabricantes marquem
nas armas e na munição o nome dos compradores
de cada lote. Com isso, é possível identificar
a origem das balas usadas em crimes.
"O Ministério da Justiça terá quatro
meses para regulamentar a lei, mas era bom que as empresas
de armamento não esperassem e começassem a cumprir
já o que ela determina", disse o deputado Luiz
Eduardo Greenhalgh (PT-SP), relator do estatuto na Câmara.
Ele disse esperar também que o Ministério da
Justiça e a Polícia Federal estejam preparados
para cumprir as determinações do estatuto assim
que a lei estiver regulamentada. A PF assume com a nova lei
a tarefa de conceder não apenas todos os portes de
arma, mas também os certificados de registro de armas
de fogo. O ministro da Justiça, Márcio Thomaz
Bastos, garantiu que a PF e o Comando do Exército já
estão se preparando:
"Para que o Estatuto tenha eficácia, será
preciso integrar os cadastros do Sinarm aos cadastros do Exército,
que fiscaliza a fabricação de armas. Vamos acompanhar
cada arma, da fabricação ao uso. Isso é
fundamental para acabar com o trânsito das armas legais
para a ilegalidade", disse o ministro.
Segundo Bastos, o projeto de regulamentação
da lei já está sendo elaborado e será
apresentado ao presidente no início de 2004. O diretor-geral
da Polícia Federal, Paulo Lacerda, disse que a PF terá
de se reestruturar para o aumento de demanda a partir da aprovação
da lei.
"Sem dúvida que vamos ter condições
de cumprir essa missão. Mas é lógico
que não será num estalar de dedos", disse
Lacerda.
Lula diz estar com o dever cumprido
Ao sancionar o estatuto, o presidente disse que termina
seu primeiro ano com o sentimento de dever cumprido e voltou
a elogiar o Congresso. Diante do presidente do Senado, José
Sarney (PMDB-AP), Lula disse que o trabalho do Congresso em
2003 causa inveja em qualquer crítico do Parlamento.
"Estamos terminando este ano, na minha modesta opinião,
com razão de sobra para deitar a cabeça no travesseiro
e dormir o sono dos que cumpriram seus compromissos em 2003.
Vocês são deputados e senadores há muito
tempo. Alguns o são pela primeira vez. Mas o Congresso
este ano trabalhou para fazer inveja a qualquer crítico
do Parlamento", disse.
Ao elogiar o Congresso, o presidente disse ainda que Executivo
e Legislativo construíram uma relação
de harmonia, mantendo a independência. Ele ressaltou
que o Congresso votou as medidas de interesse do governo,
como as reformas tributária e da Previdência.
"Conseguimos construir uma harmonia e uma relação
mostrando independência mas, ao mesmo tempo, mostrando
o compromisso que ambos os Poderes têm com o povo e,
sobretudo, o respeito, votando matérias consideradas
importantes e imprescindíveis", disse.
Lula encerrou seu discurso desejando feliz Natal aos parlamentares:
"Mais do que em qualquer outro momento da vida política,
vocês merecem um feliz Natal e um feliz Ano Novo por
tudo o que fizeram este ano", concluiu Lula.
RODRIGO FRANÇA TAVES
do jornal O Globo, em Brasília
|