Mais de um terço (35%) dos analfabetos brasileiros com mais de 15 anos
já frequentou, alguma vez na vida, uma escola.
É o que mostra um cruzamento feito por técnicos
do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
Anísio Teixeira), do Ministério da Educação,
a partir de dados da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios) de 2001 do IBGE.
A constatação indica que não basta colocar
todos os analfabetos brasileiros na sala de aula para erradicar,
de forma instantânea, o analfabetismo no Brasil.
Segundo a Pnad 2001, o Brasil tem 15 milhões de analfabetos
com mais de 15 anos. Se a experiência escolar dos analfabetos
que já frequentaram a escola tivesse sido bem-sucedida
no seu rudimento mais elementar (aprender a ler e escrever),
o país teria 5 milhões a menos de brasileiros
que não sabem ler ou escrever um bilhete simples -a
taxa de analfabetismo entre adultos cairia de 12,4% para 8%.
O levantamento feito pelos técnicos do Inep mostra
que a imensa maioria (82%) dos analfabetos que já passaram
pela escola frequentaram o ensino fundamental, mas 13% deles
fizeram cursos de alfabetização de adultos.
O Inep fez também o mesmo cruzamento a partir dos
dados do Censo 2000 e descobriu que, em 74% dos casos, os
analfabetos que frequentaram escolas chegaram a completar
ao menos um ano de estudo. Ou seja, eles chegaram ao fim,
ao menos, da 1ª série.
Para o consultor João Batista Oliveira, ex-secretário-executivo
do Ministério da Educação, os dados sugerem
que a experiência desses analfabetos com a escola foi
curta e sem sucesso.
"Há uma relação forte de insucesso
na escola e abandono. Muitos desses analfabetos ficaram pouco
tempo no sistema. Mesmo que você aprenda a ler e escrever,
se não atingir um nível mínimo de proficiência
na leitura, a tendência é acontecer a regressão
ao analfabetismo. Os governos insistem em cometer os mesmos
erros, apostando em programas relâmpago", disse
Oliveira.
Para ele, o problema não está apenas nos rápidos
cursos de alfabetização de adultos, mas também
na escolha de um método ultrapassado para alfabetizar
as crianças. "Não adianta combater o analfabetismo
adulto se não for corrigido o problema lá embaixo",
afirmou Oliveira.
O secretário extraordinário de erradicação
do analfabetismo do Ministério da Educação,
João Luiz Homem de Carvalho, afirmou que uma pesquisa
qualitativa feita pelo ministério neste ano já
havia demonstrado que um grupo significativo de analfabetos
teve alguma experiência escolar.
"Muitos analfabetos contaram que foram à escola,
mas que, por diversas razões, tiveram que abandonar
os estudos. O motivo mais comum do abandono era a necessidade
de trabalhar na roça", relatou Carvalho.
Para o secretário, além do abandono da escola
para trabalhar, a estatística de analfabetos é
engrossada por brasileiros que chegaram a aprender a ler e
escrever, mas que, por falta de uso ou de continuidade das
políticas públicas de acesso à educação,
acabaram voltando a ser iletrados.
Além disso, ele aponta o problema de cursos de alfabetização
malfeitos. "Há cursos de alfabetização
que não são suficientes para ensinar a pessoa
a ler e escrever, da mesma maneira que existem também
cursos superiores que não preparam bem o aluno."
Na avaliação de Maria Clara Di Pierro, assessora
de políticas públicas da ONG Ação
Educativa, o resultado do levantamento do Inep não
surpreende.
"Todas as pesquisas têm mostrado que a alfabetização
é um processo contínuo, que não pode
acontecer de forma instantânea. Os dados desse cruzamento
reafirmam que é importante investir no primeiro passo
da alfabetização, mas é preciso que o
poder público garanta a continuidade dos estudos",
afirmou.
Segundo Pierro, os estudos que a Ação Educativa
vem fazendo com o Instituto Paulo Montenegro (ligado ao Ibope)
indicam também que uma parcela significativa (37%)
dos trabalhadores brasileiros não precisa da leitura
para executar suas funções no trabalho, o que
indica que os profissionais com pouca qualificação
têm mais dificuldade para aplicar o conhecimento adquirido
com a alfabetização em seu cotidiano.
ANTÔNIO GOIS
da Folha de S. Paulo
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