"O governo fez bem o que
todo mundo achava que iria fazer mal, mas tem ido mal na área
em que todo mundo achava que iria ser bem-sucedido."
Essa frase do professor José Márcio Camargo,
da PUC no Rio, define a avaliação predominante
sobre o primeiro ano de governo do presidente Luiz Inácio
Lula da Silva.
O governo fez uma política econômica responsável,
do ponto de vista da maioria dos analistas brasileiros e internacionais,
e reconquistou a confiança dos investidores no Brasil.
Mas na área social, justamente aquela que os especialistas
acreditavam ser a especialidade do PT – por causa de
atuações em administrações estaduais
e municipais –, o governo Lula vem decepcionando.
Confiança
"A gerência da macroeconomia tem sido
muito boa, muito melhor do que a avaliação que
muitos analistas faziam há pouco mais de um ano",
diz Michael Reid, editor de América Latina da revista
The Economist.
Na lista das medidas dessa boa gerência econômica
estão a manutenção do ajuste fiscal e
a subida de juros no início do ano, que deram o sinal
aos mercados de que o governo iria buscar o equilíbrio
do déficit, segundo Reid."E o resultado tem sido
uma recuperação importante da confiança
dos investidores",observa.
O ano termina com otimismo nos mercados, valorização
recorde da Bolsa de Valores de São Paulo, queda do
risco-país e recuperação do valor dos
títulos da dívida brasileira no exterior.
"O positivo, sem dúvida, é que o governo
conseguiu atingir a estabilidade da economia. Temos que lembrar
como foi amplo o grau do temor de um calote que existia entre
os investidores no ano passado", avalia Richard Lapper,
editor de América Latina do jornal Financial Times.
"Mas a estabilização da economia tem tido
um custo social enorme, apesar dos avanços em algumas
áreas. Foi um ajuste muito custoso para os brasileiros."
Crescimento
Por causa desse ajuste, em 2003, o crescimento da
economia deve ficar em torno de 0,6% do Produto Interno Bruto
(PIB), segundo previsão da maioria dos analistas.
A renda do trabalhador caiu 15% em termos reais desde outubro
de 2002.
Na avaliação dos especialistas ouvidos pela
BBC Brasil, porém, foram as políticas fiscal,
monetária e de câmbio conservadoras que permitiram,
em uma segunda etapa, a queda nos juros – que estão
no nível mais baixo desde o início de 2001 –
e a redução da inflação. Nessas
condições, a expectativa é de que a economia
volte a crescer em 2004.
"O superávit primário dá ao Brasil
e aos investidores no Brasil, a garantia de que as contas
do governo vão ser realmente acertadas. E isso é
bom para o crescimento do Brasil. Uma política monetária
mais solta é exatamente permitida hoje porque há
um superávit maior", diz José Scheinkman,
chefe do Departamento de Economia da Universidade de Princeton.
"A contribuição do superávit primário
para o crescimento é positiva e não negativa
como alguns observadores têm dito."
Apoio político
Na contabilidade dos acertos do governo Lula, os
especialistas incluem a aprovação das reformas
tributária e da Previdência.
"O presidente Lula construiu uma aliança política
mais ou menos estável com essa aliança do PT
com o PMDB. Foi uma engenharia política muito bem feita",
diz Lapper.
No entanto, a aprovação das reformas e a política
econômica do governo tiveram um custo político:
a reação dos setores mais à esquerda
do PT.
Quatro parlamentares foram expulsos do partido por terem
votado contra o projeto do governo de reforma da Previdência
Social.
"Cerca de 30% dos integrantes do PT se posicionam sistematicamente
contra o governo e criticam pesadamente a política
econômica. É uma dinâmica difícil,
e ninguém sabe até onde vai continuar",
avalia José Márcio Camargo, da PUC.
"Mas o governo parece determinado a manter a mesma direção."
Sem resultados
A área social é onde estão os pontos
fracos do governo, e até agora os projetos nesse setor
não mostraram resultados.
"Na parte social, o governo começou com lentidão
e alguns erros surpreendentes, mas acho que tem tido uma tentativa
de acertar os erros", avalia Reid.
Para ele, os erros evidenciam a falta de experiência
do PT em governos em nível nacional.
Para o professor da PUC, há erros também na
definição das prioridades, especialmente na
educação.
"No Brasil, 40% das crianças não terminam
o ensino fundamental, mas o Ministério da Educação
definiu como prioridade a alfabetização de adultos",
aponta Camargo.
Na sua avaliação, até mesmo o programa
Fome Zero – bandeira da área social do governo
Lula – não avançou, pois foi mal concebido.
"No Brasil, boa parte das pessoas que passam fome vivem
em comunidades isoladas no interior do Nordeste, onde o acesso
é difícil. O Fome Zero prevê o recebimento
de doações de alimentos e a entrega onde essas
pessoas estiverem. Ora, nessa situação, fica
difícil fazer o programa funcionar efetivamente",
diz Camargo.
Segundo ele, ao perceber as dificuldades, o governo decidiu
adotar outras estratégias na área social dentro
do Fome Zero, para aproveitar a boa marca do programa. Entre
elas, estaria o pagamento de pensões para idosos.
Já o ministro Extraordinário da Segurança
Alimentar, José Graziano, assegura que o programa Fome
Zero reduziu a mortalidade infantil a "níveis
insignificantes" em algumas regiões do Nordeste.
MARIA LUIZA ABBOTT
ILANA REHAVIA
da BBC Brasil
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