Depois de prestar vestibular quatro
anos seguidos, a índia Linda Marubo, de 38 anos, comemorou
quando viu, em julho passado, seu nome na lista dos aprovados
para o curso de medicina de uma faculdade particular de Manaus,
no Amazonas. A alegria durou pouco. Sem dinheiro para pagar
os estudos, Linda teve seu sonho adiado mais uma vez após
tentar em vão o apoio da Fundação Nacional
do Índio, a Funai.
" Estou desistindo de ser médica, porque não
posso pagar uma faculdade particular e não consigo
passar para uma universidade pública", lamenta
Linda, que sustenta seus dois filhos com os R$ 200 que ganha
como artesã.
Dos 360 mil indígenas que vivem hoje no Brasil, cerca
de 1.300, segundo dados da Funai, estão cursando o
ensino superior, sendo que, destes, 60% a 70% estão
em instituições particulares. Com esta fatia,
a instituição gasta, em média, R$ 1,6
milhão anuais em mensalidades, hospedagem, alimentação
e material escolar. A quantia inclui ainda despesas com cerca
de 20 mil indígenas que deixaram suas aldeias para
cursar o ensino médio nas cidades.
Segundo a coordenadora do Departamento de Educação
da Funai, Maria Helena Fialho, não está previsto
aumento da verba destinada à área em 2004.
"Há 200 indígenas recém-aprovados
no vestibular esperando o apoio da Funai e não sabemos
se terão ajuda", explica Maria Helena, esclarecendo
que os alunos que já contam com o benefício
não serão prejudicados.
A coordenadora afirma ainda que a instituição
está preocupada com a qualidade do ensino de algumas
universidades particulares freqüentadas pelos indígenas.
"A base que temos do ensino médio não
é suficiente para entrar numa universidade pública",
afirma Anaiá Matos de Souza, de 31 anos, estudante
de direito e presidente da Associação dos Universitários
Indígenas de Brasília.
Anaiá é um dos 15 universitários apoiados
pela Funai no Distrito Federal, cinco dos quais estão
com as matrículas trancadas por não conseguirem
aliar os estudos ao trabalho. Segundo a instituição,
30% dos indígenas abandonam os estudos por falta de
recursos.
Líder do Movimento Estudantil Indígena do Amazonas
(Meiam), Linda Marubo afirma que o objetivo do indígena
com diploma universitário é voltar para a comunidade.
"Estou cansada de ver gente morrendo na minha aldeia
com câncer de colo de útero. O certo seria que
nós pudéssemos ser médicos, advogados
e dentistas para cuidar da nossa gente", defende a líder
do Meiam.
Representantes do movimento já se reuniram com enviados
do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e autoridades
de universidades públicas do Amazonas para propor um
sistema de cotas que garantisse aos indígenas um número
de vagas nos cursos mais concorridos, como medicina e direito.
A proposta previa, ainda, que os indígenas concorressem
entre si no processo de seleção.
" Todos os pedidos foram negados", queixa-se Linda.
Para tentar amenizar o quadro de exclusão que castiga
os indígenas aspirantes ao diploma, dois deputados
apresentaram, este mês, dois projetos de lei na Comissão
de Defesa do Consumidor, Meio Ambiente e Minorias da Câmara.
A proposta do deputado federal Murilo Zauith (PFL-MS) defende
o acesso irrestrito dos indígenas a qualquer universidade
pública, desde que não sejam desclassificados
no vestibular. A medida não prejudicaria o número
de vagas já previsto para os demais candidatos.
Mais ambicioso, o deputado federal Carlos Abicalil (PT-MT)
propõe a criação da Universidade Federal
Autônoma dos Povos Indígenas, vinculada ao Ministério
da Educação, com sede em Cuiabá (MT),
e funcionando em rede com as demais universidades do país.
O curso prevê a inclusão, nas grades curriculares,
de disciplinas que abordam a legislação, cultura,
arte e história das diversas etnias do país.
" A criação de uma universidade pública
indígena é uma iniciativa que faz justiça
à relevância desses povos na história
da construção do Brasil, além de reconhecer
a importância e a valorização dos estudos
do tema", afirma o deputado.
FERNANDA NIDECKER
do Jornal do Brasil
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