A contagem
regressiva de seis meses para devolução ou regularização
de armas de fogo, uma das mais importantes medidas previstas
no Estatuto do Desarmamento, teve início na quarta-feira,
mas até agora nenhum revólver, pistola ou fuzil
foi entregue às autoridades. A explicação
para essa ineficiência inicial do mais ambicioso projeto
de desarmamento da população é simples:
seis meses após sancionar a nova lei, o presidente
Luiz Inácio Lula da Silva não assinou o decreto
de regulamentação da anistia dos portadores
de armas sem registro, um dos itens previstos no estatuto.
"Sem a regulamentação, as pessoas, mesmo
que queiram, não poderão devolver ou regularizar
suas armas. O governo está perdendo um tempo precioso",
diz Denis Mizne, diretor do Instituto Sou da Paz.
Pela legislação em vigor, Lula teria que editar
o decreto de regulamentação do estatuto até
o dia 23 de junho, ou seja, até a última quarta-feira.
Esta foi a data estabelecida pelo Congresso para que, a partir
daí, se inicie a contagem do prazo de seis meses para
devolução ou apresentação de pedidos
de regularização de armas. Como o decreto ainda
não saiu da gaveta, o prazo já começou
a contar mas ninguém sabe como proceder porque não
há regulamentação sobre o assunto.
Entregar a arma
No período previsto no estatuto, os donos de armas,
registradas ou não registradas, estarão livres
de qualquer punição. Quem perder o prazo e for
flagrado com armas em situação irregular poderá
ser punido com até 12 anos de prisão.
A demora do governo para preparar as novas regras deixa um
buraco na legislação e os proprietários,
mesmo que queiram, terão dificuldades para entregar
suas armas. O decreto deverá estabelecer as condições
de devolução, mas vários aspectos estão
indefinidos. Entre eles, o valor das indenizações
e os lugares específicos para a entrega das armas.
Segundo Mizne, sem as instruções, os proprietários
não saberão a quem devolver ou mesmo quanto
vão receber por cada arma.
" A demora na publicação do decreto põe
em risco o sucesso da lei e decepciona profundamente a sociedade,
que acredita no desarmamento como forma essencial para a redução
dos homicídios", disse Mizne.
Auxiliares do ministro da Justiça, Márcio Thomaz
Bastos, informaram que o texto do decreto de regulamentação
está em tramitação na Casa Civil. Segundo
esses assessores, falta a definição de “três
ou quatro” trechos do texto para que o decreto seja
assinado por Lula. O ministério não revelou
quais são as divergências que levaram o governo
a descumprir um prazo estabelecido pelo Congresso e aprovado
pelo presidente. O texto inicial do ministério prevê
indenizações de até R$ 400 para as devoluções.
50 mil mortos ano passado
A equipe de Bastos também atribui o atraso à
demora da Comissão de Orçamento do Congresso
para aprovar um projeto que autoriza o Fundo Nacional de Segurança
Pública a investir R$ 10 milhões este ano na
recompra das armas a serem devolvidas. O projeto estava na
pauta de votação da comissão na terça-feira,
mas não houve sessão por causa da morte do ex-governador
Leonel Brizola.
O Estatuto do Desarmamento foi sancionado dia 22 de dezembro
de 2003 depois de passar mais de seis anos em discussão
no Congresso. A lei, que teve o apoio de praticamente todos
os partidos, é vista por especialistas em segurança
pública como um ousado esforço de retirar armas
de fogo de circulação e, com isso, diminuir
os alarmantes índices de assassinatos no país.
Somente no ano passado, cerca de 50 mil brasileiros foram
mortos, a maioria por armas de fogo.
JAILTOM DE CARVALHO
do jornal O GLobO |