A globalização,
processo de integração da economia mundial que
começou na metade do século passado, está
agravando um problema que, em tese, estaria enterrado nos
livros de história: a exploração do trabalho
escravo.
A análise é de Roger Plant, chefe do Programa
Internacional de Combate ao Trabalho Escravo da OIT (Organização
Internacional do Trabalho) e um dos maiores especialistas
do assunto no mundo. Ele está no Brasil para participar
nesta semana de seminário no Tribunal Superior do Trabalho.
Por telefone, de Genebra (Suíça), ele disse
à Folha que a pressão das empresas multinacionais
nos mercados de trabalho de países subdesenvolvidos
está provocando um aumento da exploração
de trabalho análogo à escravidão.
Inglês de 56 anos, Plant já visitou o Brasil
várias vezes e elogiou as ações do governo
Lula, mas disse que o número de explorados pode ser
maior que os 25 mil admitidos oficialmente.
Folha - Em que países o trabalho
escravo é mais grave?
Roger Plant - Naqueles onde o Estado é
diretamente responsável pelo trabalho forçado.
Mianmar [antiga Birmânia] é um desses casos.
Mas isso não significa que países vizinhos na
Ásia estejam em situação melhor. Estamos
falando de problemas estruturais, ligados à globalização.
Folha - A globalização agrava
o trabalho escravo no mundo?
Plant - Sim. Com a abolição
de fronteiras, empresas investem em países onde o trabalho
é mais barato, forçando produtores a reduzir
custos. A primeira tentação do produtor é
diminuir o preço da mão-de-obra, indo a regiões
afastadas onde o uso de trabalho análogo à escravidão
não é visto e muito menos punido. Enquanto isso,
os países industrializados estão impondo mais
barreiras para a migração legal, mesmo sabendo
que há grande demanda por serviços para os potenciais
migrantes. Quando há um desequilíbrio entre
a oferta e a demanda de mão-de-obra nos subempregos
é que o tráfico entra com força e explora
o fato de que milhares de pessoas querem deixar seus países
em busca de trabalho.
Folha - O combate ao trabalho escravo aqui
melhorou com Lula?
Plant - Eu diria que sim. Pelas declarações
do presidente, há um compromisso muito ambicioso e
corajoso de erradicar toda forma de trabalho escravo até
2007. Mas é difícil combater o problema em áreas
remotas da Amazônia. Há indivíduos poderosos
envolvidos.
Folha - O crescente desemprego empurra a
população pobre para a escravidão?
Plant - O desemprego pode alimentar o trabalho
escravo, mas não pode ser visto como responsável
direto. Pessoas em situação vulnerável
de pobreza podem estar mais aptas a aceitar qualquer oferta
de trabalho.
Folha - Há dois meses, três
fiscais que apuravam denúncia de trabalho escravo foram
assassinados em Unaí (MG). Ainda não há
suspeitos. A impunidade agrava o problema?
Plant - Até onde sabemos, o governo
está se esforçando para resolver o crime e punir
os responsáveis. O governo FHC falava em 3.000 escravos
no Brasil. Agora, dizem que há 25 mil. Ninguém
mentiu. Mas quanto mais as equipes de fiscalização
procurarem, mais vão encontrar.
Folha - O número pode ser maior que
esses 25 mil?
Plant - Sim, pode crescer. Acabei de voltar
da Rússia, onde descobrimos imigrantes ilegais das
ex-repúblicas soviéticas em diversas formas
de trabalho forçado. São 1 milhão de
pessoas. No Paquistão, há centenas de milhares.
Folha - Especialistas defendem a aprovação
de legislação que expropria terras nas quais
for constatada prática de trabalho escravo. O senhor
concorda com a medida?
Plant - É uma decisão de cada
país. Mas é necessário que se achem maneiras
de punir.
Folha - Que outras maneiras o senhor sugere?
Plant - Num país como o Brasil, com
alto índice de pobreza, dar terra a quem foi explorado
pode ser importante para a reintegração deles
e evitar que sejam novamente arregimentados pelos exploradores.
Essas pessoas precisam de novas chances.
FABIO SCHIVARTCHE
da Folha de S.Paulo
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