O maior hospital da América
Latina, o Hospital das Clínicas de São Paulo,
quer eliminar os atendimentos de casos simples.
A idéia, que a superintendência
planeja implantar neste mês, é acabar, primeiro,
com a possibilidade de os próprios pacientes marcarem
suas consultas pelo telefone. Os agendamentos só serão
feitos via postos de saúde. O hospital realiza 1,5
milhão de atendimentos ambulatoriais por ano.
Há alguns anos, a fila das
consultas ficava na calçada da unidade, na zona oeste
de São Paulo. Depois, o agendamento passou a ser feito
por telefone. No futuro, o número será extinto
e haverá uma linha só para que os postos de
saúde façam a marcação. A proposta
é que mandem ao HC somente casos graves, como uma suspeita
de câncer.
Um total de 20 mil ligações
diárias, de pessoas em busca de uma consulta, sobrecarregam
as linhas telefônicas do hospital.
O HC, vinculado à Faculdade
de Medicina da USP, é certamente um dos maiores "funis"
da saúde pública do país.
Do total de ligações,
5% são completadas. Dessas, apenas 1% conseguem uma
vaga. Apenas dez, portanto, resultam em agendamento de consulta,
muitas vezes para muitos meses à frente. E quem consegue
ainda tem de enfrentar problemas dentro do hospital.
Segundo Waldemir Rezende, diretor-executivo
do Instituto Central do HC, clínicas como as de ginecologia,
urologia e endocrinologia já estão sobrecarregadas,
principalmente de casos que poderiam ser atendidos nos postos
de saúde. As consultas são marcadas para dali
a seis meses ou mais. "Estou esgotando tudo com o atendimento
primário. A mulher vem colher um papanicolao [exame
ginecológico básico], quando temos casos de
câncer na fila." Para ele, as mudanças melhorarão
o atendimento geral.
Como é o próprio paciente
que marca a consulta, muitas vezes há ainda erros no
encaminhamento, que também engordam a fila, diz. Exemplo:
o doente agenda um dermatologista quando deveria ser atendido
pelo clínico-geral.
A situação, afirma Rezende,
reflete a desorganização da rede. O hospital,
de nível terciário, que deveria atender somente
casos graves, tornou-se um grande posto de saúde, resume.
Prefeitura
A proposta poderá encontrar obstáculo na prefeitura,
gestora da rede. A Secretaria da Saúde, procurada para
informar se os postos terão condições
de fazer os encaminhamentos ao hospital, informou que "não
foi informada" da intenção do HC, subordinado
à secretaria estadual, de fazer a alteração
já. Disse que "existem conversas". A mudança
deve acontecer, segundo a secretaria, mas não tem prazo.
O hospital planeja a mudança
no atendimento há um ano, diz o superintendente do
HC, José Manoel de Camargo Teixeira, e várias
reuniões foram realizadas com a prefeitura. Segundo
Teixeira, o hospital tem autonomia para mudar a forma de agendamento.
"Mas não é intenção fazer
nada de forma isolada. Queremos o melhor para o paciente."
Serão realizadas novas reuniões com a prefeitura
para tentar acertar a mudança para este mês,
diz.
"Não é melhor o
município e o Estado se organizarem, de forma adequada?
Ou vamos deixar a situação atual?", diz
Rezende, que destaca que a idéia da mudança
segue os princípios de hierarquização
e regionalização do SUS (Sistema Único
de Saúde).
Para Paulo Eduardo Elias, professor
de medicina preventiva da Faculdade de Medicina da USP, o
ideal seria colocar os grandes hospitais como organizadores
da rede de saúde, idéia de Eduardo Jorge, ex-secretário
municipal.
"Quando recebesse um paciente
que poderia ser atendido num hospital local, o HC entraria
em contato com esse hospital e agendaria uma consulta",
diz Elias. "O hospital seria responsável ainda
pelos postos do seu círculo."
Caberia ao Estado e ao município,
afirma, uma campanha para que os pacientes procurassem primeiro
os postos de saúde.
Tal mudança implicaria equipar
e garantir médicos para aquelas unidades, de tal forma
que a população voltasse a confiar no posto
de saúde. "A população sabe bem
o que faz. Só vai a lugares em que será atendida."
"Há muito tempo o hospital
já faz uma retração das consultas",
diz Evelin Castro Sá, professora aposentada de políticas
de planejamento e administração de saúde
da Faculdade de Saúde Pública da USP. "O
que precisa é reforçar o atendimento básico."
FABIANE LEITE
AURELIANO BIANCARELLI
da Folha de S. Paulo
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