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A quatro meses das eleições
municipais, a prefeita Marta Suplicy (PT) vai estender a todos
os usuários de ônibus e lotações
da cidade de São Paulo a principal vitrine de sua administração
no setor de transporte coletivo e revelar a desistência
de uma promessa que tende a se tornar uma das vidraças
políticas da atual gestão.
A vitrine é a implantação do bilhete
único, um cartão magnético que pretende
substituir os modos convencionais de pagamento da passagem
(dinheiro, passe, vale-transporte) e que permitirá
a todos os passageiros pegar mais de uma condução
municipal no intervalo de duas horas, pagando apenas uma tarifa
-R$ 1,70.
O secretário dos Transportes, Jilmar Tatto, diz que,
por ordem de Marta, até 31 de maio todos os paulistanos
terão à disposição esse benefício,
que já começou a ser testado em 2004 por estudantes
e idosos. A mudança é vista por especialistas
como algo histórico.
A vidraça foi revelada nesta semana por Tatto: está
sepultada a promessa feita desde 2001 pela administração
petista de oferecer um preço mais baixo para os deslocamentos
mais curtos.
Quando ela foi anunciada, a tarifa convencional custava R$
1,40 e a idéia era que a passagem das viagens menores,
restritas entre os bairros e feitas por microônibus
e miniônibus, ficasse em R$ 1.
No ano passado, esses valores foram "atualizados"
para R$ 1,70 e R$ 1,40, respectivamente.
Esse modelo de bilhete único e tarifas diferenciadas
norteou a licitação concluída em 2003
para selecionar viações e perueiros contratados
por até dez anos.
O secretário dos Transportes afirma que a desistência
de implantar a tarifa mais barata para os deslocamentos curtos,
batizados de "locais", se deu por uma "mudança
conceitual" -como essas medidas tendem a diminuir a receita
do sistema, não sendo possível adotar as duas
ao mesmo tempo, preferiu-se adotar a que fosse mais "universal".
"O usuário é mais beneficiado pela tarifa
temporal [que permite deslocamentos livres em até duas
horas] do que pela local [mais barata que hoje]", afirma
Tatto.
Por esse "conceito", segundo ele, em vez de restringir
a três baldeações os deslocamentos da
tarifa de R$ 1,70, como se previa inicialmente, a prefeitura
optou por não limitar o número de baldeações
no intervalo de duas horas.
Tatto diz ainda que a tarifa menor entre os bairros dificultaria,
no futuro, uma integração com metrô, trem
e ônibus intermunicipais. A falta dessa integração
imediata se dá tanto por impasses financeiros como
políticos, já que Estado e prefeitura são
governados por partidos diferentes e ainda não conseguiram
chegar a um acordo sobre quem "perderia" mais arrecadação
e teria de injetar mais recursos públicos.
Televisão
A data limite de 31 de maio para que todos os interessados
possam ter seu bilhete único e tenham direito de andar
por duas horas pagando R$ 1,70 foi definida após a
aparição de Marta Suplicy num programa do PT
na televisão.
O secretário vinha anunciando julho como prazo final.
A Folha apurou que ele foi surpreendido pelas declarações
de Marta na TV sobre a ampliação do sistema
para todo mundo neste mês. Agora, Tatto diz apenas que
"a prefeita já anunciou", "vai ter de
ser".
Os usuários poderão obter seu cartão
magnético individualizado em postos da SPTrans (empresa
municipal que cuida do transporte) -há mais de 20 em
São Paulo.
Ele é gratuito, mas, em caso de perda ou furto, a segunda
via custará R$ 5,10. A compra e carregamento dos créditos
(mínimo de R$ 8) também estará disponível
em casas lotéricas. Os detalhes de como solicitar um
bilhete serão divulgados nos próximos dias.
A duração de duas horas por R$ 1,70 se refere
ao tempo máximo para entrar no próximo veículo.
Ou seja, após passar pela catraca, os usuários
não serão retirados dos coletivos ao atingir
os 120 minutos -apenas não poderão tomar uma
nova condução.
Os principais beneficiados com esse sistema são os
paulistanos que se deslocam por grandes distâncias.
Tatto diz que apenas 5% dos passageiros pagam hoje mais de
um ônibus ou lotação em cada viagem, mas
que a nova regra tarifária permite desafogar a demanda
reprimida dos que precisam de mais de uma condução,
mas não tomam por causa do custo.
Embora seja considerado, na prática, um benefício
social, esse modelo não chega a representar, na teoria,
uma vantagem urbanística -já que a situação
ideal é que todo mundo trabalhe mais perto da residência,
e não que pague menos para continuar rodando grandes
distâncias.
Já a tarifa local, mais barata, que não vai
sair do papel, beneficiaria a população que
faz trajetos curtos, mas que hoje paga um preço proporcionalmente
mais alto pelos serviços. Ela era vista por técnicos
como uma alternativa para trabalhadores que acabam andando
a pé para não gastar com a condução
num trecho pequeno.
A promessa de adotá-la foi anunciada desde 2001 não
apenas em entrevistas, mas até numa publicação
da prefeitura, com textos em português e inglês,
editada e distribuída em julho de 2003, sobre as mudanças
no transporte.
ALENCAR IZIDORO
da Folha de S.Paulo
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