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“O
clínico-geral Zyun Massuda convidou um grupo de médicos,
orientados pela professora da USP Mileni Ursich, a fazer um
mutirão de saúde numa escola estadual (Alves
Cruz) num bairro de classe média da cidade de São
Paulo - Zyun estudou ali nos tempos em que a escola pública
conseguia colocar alunos numa disputada faculdade de medicina.
"É espantoso", afirma a professora Mileni,
especialista em endocrinologia, ao conhecer os resultados
dos exames.
Cerca de 15% dos estudantes enxergavam
mal - uma estatística que, aliás, se reproduz
em todo o país.
A equipe comandada por Mileni detectou
baixa taxa de glicemia numa expressiva quantidade de alunos.
Traduzindo: eles estavam em jejum
prolongado. Traduzindo ainda mais: extrema dificuldade de
concentração devido à fome.
O que mais chamou a atenção da equipe foram
os 25% dos estudantes que nunca tinham feito um exame médico.
"Se tivéssemos aplicado outros exames, encontraríamos
mais doenças", aposta Zyun. Está certo.
Venho coletando exames de saúde
em escolas. Indicam alta incidência de anemia provocada
pela falta de ferro (mais um fator que impede a concentração),
além de cárie, verminoses e rinite alérgica,
sem contar os distúrbios psicológicos como a
dislexia. Tais dados levam o ministro da Educação,
Fernando Haddad, a afirmar que, sem cuidar da saúde
dos estudantes, os esforços de melhoria do ensino estarão
comprometidos.
Tente, caro leitor, tirar os óculos
e ler esta coluna apenas para sentir o tamanho dessa tragédia
anunciada -e, para completar, com um dente doendo. Converta,
agora, o incômodo em números. Levando em conta
que temos cerca de 53 milhões de alunos em escolas
públicas e que as deficiências de saúde
que dificultam o aprendizado podem atingir pelo menos 40%
deles, estamos falando aqui de algo como 21 milhões
de estudantes vítimas dessa tragédia anunciada.
O professor tem dificuldade de ensinar, muitas vezes, porque
padece de problemas de saúde física e mental,
não tratados corretamente. Tudo isso ajuda a explicar
o absenteísmo e o desânimo dos professores, duas
pragas da educação pública.
Para muitos médicos e psicólogos,
nada disso que estou escrevendo é novidade. Não
é novidade nem mesmo para professores. Na lógica
da tragédia anunciada, a relação entre
saúde e educação é mais óbvia
do que a ausência de ranhuras na pista de Congonhas,
mas não é debatida nem gera comoção.
Presenciamos todos os dias tragédias provocadas pela
combinação de irresponsabilidade com ignorância.
Só no trânsito morrem, por ano, 35 mil pessoas
-194 vezes o número de vítimas do desastre de
Congonhas-, sem contar os homicídios. Uma boa parte
disso deve-se ao abuso do álcool: mesmo assim, não
se consegue limitar a publicidade de cerveja.
É como se faltasse um cotonete
para melhorar a audição de todo um país
e precisássemos de gritos como os dos familiares dos
mortos de Congonhas para ouvir.
PS - Se Lula tirar do papel o projeto federal de saúde
da escola, cujo lançamento está previsto para
este ano, fará mais pelo aprendizado do que todo o
Bolsa-Família -é exatamente o que acontecerá
se o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, cumprir
sua promessa de criar uma rede de centros de saúde,
com ambulatórios móveis, apenas para detectar
doenças nos alunos. Na lógica da tragédia
anunciada, quase ninguém pressiona (nem pais nem alunos
nem professores) para que programas tão vitais sejam
desenvolvidos.”
Trecho da coluna A
tragédia anunciada do cotonete.
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e aprendizado:
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