Vanessa
Sayuri Nakasato
A batalha pela liberação de pesquisas com células-tronco
embrionárias não se limita mais aos médicos
e cientistas. Mais de 10 mil pessoas, entre pacientes, familiares
e amigos, brigam no Congresso Nacional pela aprovação
do projeto de lei que autoriza o estudo. Elas fazem parte
do Movimento em Prol da Vida, o Movitae, uma associação
civil sem fins lucrativos fundada no ano passado com o objetivo
de buscar, na genética, possibilidade de cura de dezenas
de patologias, hoje, irreversíveis.
As células-tronco embrionárias são consideradas
de extrema importância pela ciência por serem
capazes de se transformar em todos os tecidos do corpo humano.
Elas são diferentes das células-tronco adultas,
encontradas no cordão umbilical, placenta e medula,
que, embora apresentem excelentes resultados, se transformam
em poucos tecidos e são úteis somente para algumas
doenças.
Para a presidente do Movitae, Andréa Bezerra de Albuquerque,
as pesquisas com células-tronco embrionárias
são a única esperança de cura de milhares
de pessoas que têm vidas restritas e correm contra o
tempo para sobreviver. “É terrível ver
pacientes sofrendo de doenças cujos diagnósticos
se tornam contagem regressiva de seus dias. Proibir o estudo
dessas células é o mesmo que negar a chance
de viver de muita gente.”
A jornalista Cristina Veiga luta, diariamente, para tentar
salvar, ou pelo menos melhorar, o dia-a-dia de seu filho Pedro,
de 9 anos. Ele tem espaticidade, encurtamento dos tendões
que prejudica as funções motoras. Todo mês,
Cristina e seu marido gastam cerca de R$ 15 mil em tratamento.
Só as sessões de fisioterapia, cinco vezes por
semana, contabilizam R$ 2 mil.
“Se tivesse a pesquisa, meu filho não teria
operado as duas pernas, ficado 30 dias engessado, não
usaria tutor para caminhar, não teria feito quatro
aplicações de botox nas batatas das pernas e
eu, como mãe, não teria ouvido ele dizer “você
não sabe como é difícil correr com esse
aparelho”. Pior, não precisava ter ido à
escola de Pedro para escutar a professora o chamar de “burrinho”
por não conseguir acompanhar às outras crianças.”
Atualmente, há um projeto de lei que discute a pesquisa
tramitando no Congresso Nacional. Ele já sofreu alterações
e, no momento, está sendo apreciado pelo Senado.
O texto original, do deputado federal Aldo Rebelo (PC do
B-SP), oferecia recursos públicos e dava total autonomia
aos cientistas brasileiros para estudarem as células-tronco
embrionárias. “Era perfeito”, segundo a
presidente do Movitae. No entanto, Andréa conta que,
24 horas antes da votação na Câmara dos
Deputados, o projeto, o qual o movimento apoiava, foi completamente
modificado.
Quem brigava pela aprovação do texto na Casa
era seu mentor. Entretanto, algumas semanas antes de o projeto
ser votado, Aldo Rebelo foi convidado a ser ministro e deixou
seu projeto na responsabilidade do deputado federal Renildo
Calheiros (PC do B-PE). Por ser membro de um partido religioso,
Calheiros foi pressionado por bancadas católicas e
evangélicas. Esse fato o fez, na última hora,
inverter a proposta do texto. Ao invés de autorizar,
o projeto passou a proibir todo e qualquer tipo de pesquisa
com embriões.
“Quando o projeto foi votado, já eram quase
quatro ou cinco horas da madrugada. Estavam todos cansados
e os deputados não tinham noção do que
estavam aprovando. O texto discutido em plenário foi
o de Rebelo e maioria dos parlamentares o apoiou. Como tudo
foi alterado na véspera e não foi debatido depois,
não duvido que tenham aprovado um achando que era outro.”
O vice-presidente da Conferência Nacional dos Bispos
do Brasil (CNBB), Dom Antônio Celso de Queirós,
ressalta que a instituição é a favor
das pesquisas com células-tronco, mas não as
embrionárias.
“O embrião é vida humana e possui código
genético definido. Não posso usá-lo para
estudo, da mesma forma que não posso matar e retirar
o pulmão sadio de um criminoso para salvar o pulmão
degenerado da melhor pessoa do mundo. Acredito que possamos
descobrir outras fontes de cura e conseguir progressos sem
violar a ética da vida.”
A cientista do Centro de Estudos do Genoma Humano da USP,
Mayana Zatz, explica que a idéia é utilizar
embriões descartados em clínicas de fertilização.
Quando existe um processo de fecundação assistida
in vitro, algumas células são inseridas no útero
da mãe e, outras, por serem mal formadas ou estarem
em quantidade inadequada, são congeladas ou eliminadas.
Segundo Mayana, se os estudos avançarem, em menos
de uma década, doenças como diabetes, Parkinson
e Alzhaimer podem ser, no mínimo, controladas. “O
Brasil tem material humano e tecnologia para desenvolver as
pesquisas. Muitos países de primeiro mundo estão
fazendo e nós não podemos ficar para trás.”
Senado
Duas emendas foram apresentadas no Senado: uma pelo senador
Tasso Jereissati (PSDB-CE) e outra pelo senador Tião
Viana (PT-AC). Ambas incentivam as pesquisas, mas com a condição
de que os embriões utilizados sejam os já existentes.
A senadora Lúcia Vânia (PSDB-GO) afirma que,
provavelmente, não haverá impasses para aprová-las.
Há um mês, foi feita uma audiência pública
na qual 40 senadores, dentre eles os líderes do PFL,
PSDB, PP e PMDB, estavam presentes. Médicos e cientistas
explicaram aos parlamentares a importância do estudo
e, conforme a senadora, todos ficaram sensibilizados. “Os
líderes dos quatro partidos se comprometeram a agilizar
a votação do projeto. O problema será
convencer a Câmara quando ele votar para lá.”
Antes de ser votado, o projeto de lei ainda precisa ser avaliado
por mais quatro comissões. “O texto ainda não
está em pauta, não há acordo de líderes
definidos, mas posso garantir que o assunto já está
bastante avançado.”
|