O relatório de 2003 do Observatório
da Cidadania -rede de organizações não-governamentais
que acompanham os esforços de combate à pobreza-
avalia que o Brasil beira a recessão: as altas taxas
de juros e a economia recorde de gastos públicos neste
primeiro ano do mandato do presidente Luiz Inácio Lula
da Silva teriam resultado num equilíbrio econômico
instável, sem sinais de retomada sustentada do crescimento.
O documento da versão brasileira da rede Social Watch,
a ser divulgado hoje no Senado, aponta a política externa
como ponto positivo do início do governo Lula. A crítica
mais dura aparece na análise da política econômica,
assinada pelo professor da UFRJ Fernando Cardim de Carvalho.
Ele diz que, embora se queixasse da "herança
maldita" deixada por Fernando Henrique Cardoso, o governo
Lula seguiu "com entusiasmo maior" que o de seu
antecessor o receituário ortodoxo. "A priorização
da conquista de credibilidade perante o mercado não
levou apenas à degradação do quadro macroeconômico.
A falta de recursos resultante da elevação das
metas de superávit fiscal paralisou o que se imaginava
serem as prioridades absolutas do novo governo, as políticas
sociais."
A alternativa apontada no relatório prevê, como
"precondição", o controle sobre a
entrada e a saída de capitais estrangeiros, além
de restrições ao endividamento externo das empresas.
O controle de capitais é um debate até aqui
interditado no governo Lula.
"O dano já causado pela infeliz decisão
de prosseguir e radicalizar as políticas de FHC é
grande, mas pode ser contido", sustenta Carvalho, também
consultor no Ibase (Instituto Brasileiro de Análises
Sociais e Econômicas), ONG que coordena, no Brasil,
a rede de acompanhamento das metas de desenvolvimento social.
Para o Observatório, cujo pensamento se opõe
ao receituário proposto pelo Banco Mundial, as chances
de Lula melhorar o desempenho social dependem de um papel
mais ativo do Estado. O relatório de 2003, no entanto,
faz restrições ao modelo de parcerias público-privadas,
apresentado recentemente pelo governo como forma de levar
adiante investimentos tidos como estratégicos -seria
uma forma de privatizar serviços e bens públicos.
Sem conseguir apresentar mudanças na política
econômica, a não ser o que as ONGs chamam de
"paliativos" para o efeito recessivo dessa política,
Lula teria impresso ares de governo de centro-esquerda à
sua política externa.
Nas observações gerais sobre 2003, o relatório
do Observatório da Cidadania diz que as promessas de
desenvolvimento não foram cumpridas ao longo do ano.
O ministro Tarso Genro (Conselho de Desenvolvimento Econômico
e Social) estará presente hoje no lançamento
do relatório.
MARTA SALOMON
Da Folha de S. Paulo
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