Em 2003, primeiro ano do governo
de Luiz Inácio Lula da Silva, a curva de consumo de
produtos de uso domiciliar, que vinha ascendente nos últimos
dez anos, estagnou. Já o volume de compras da cesta
de alimentos caiu 4%. Entraram na tesoura algumas vedetes
do Plano Real, como iogurtes, cujo consumo recuou 10%, leite
fermentado (queda de 11%) e refrigerantes (menos 9%).
Os dados são da pesquisa mensal de consumo domiciliar
da Latin Panel/Ibope. O levantamento inclui 75 categorias
de produtos dos setores de alimentos, bebidas, higiene e limpeza
e reflete as compras realizadas entre outubro de 2002 e outubro
de 2003 pelas famílias brasileiras.
A pesquisa mostra que, nesse período, o consumidor
gastou 21% a mais para manter o mesmo nível de compras.
"O ano foi pautado pela manutenção do volume
médio de compras e o aumento do gasto médio
das famílias em consequência da alta dos preços",
diz Cláudia Fioratti, diretora comercial da Latin Panel/Ibope.
O item alimentação foi o que mais pesou no
bolso do consumidor: o gasto médio das famílias
com a compra de alimentos cresceu 26%, mesmo com o corte de
4% no volume de compras.
Segundo Fioratti, apesar de a inflação ter
começado a disparar em 2002, a queda do consumo começou
em outubro do ano retrasado e ficou mais concentrada em 2003.
"A queda da renda média em 2003, paralelamente
ao aumento dos preços, provocou a retração
nas compras", diz Fioratti. Entre outubro de 2002 e o
mesmo mês do ano passado, a renda média do brasileiro
encolheu 15,2%, segundo dados do IBGE.
O ânimo do consumidor também influiu no consumo
menor. "O consumidor esteve mais cauteloso, e o consumo
também tem a ver com o otimismo ou o pessimismo das
pessoas em relação ao país", diz
Rodrigo Toni, diretor-geral da Ipsos Brasil, a maior empresa
de pesquisa de mercado baseada em entrevistas do país.
Segundo Toni, um exemplo da correlação entre
aumento da renda, do otimismo e do consumo são os primeiros
anos do Real. "No primeiro mandato de Fernando Henrique
Cardoso [1995-98], o clima era de otimismo e o consumo crescia,
junto com a renda. Em 2003, principalmente no primeiro semestre,
o consumidor esteve muito cauteloso", diz.
Um levantamento feito pela Ipsos, a pedido da Folha, mostra
que o padrão de consumo caiu em todas as classes de
renda de 1997, auge do Plano Real, para 2003.
Os dados da Ipsos mostram que de 12 itens básicos de
alimentação, higiene e limpeza consumidos nos
domicílios, 8 apresentaram retração nas
classes A e B e 10 nas classes C e D.
Nas classes de maior renda, os itens que tiveram aumento
de vendas foram leite condensado, creme de leite e gelatinas.
Os mesmos produtos foram mais consumidos pelas classes de
renda menor em 2003 do que em 1997. Entre as pessoas com menor
poder aquisitivo, o consumo de sabão em pó também
subiu. "Em situações de crise e encolhimento
da renda, os mais pobres cortam os itens supérfluos
de alimentação e despesas gerais com supermercados.
Já entre os mais ricos, o que diminui é o consumo
de bens duráveis e de serviços", diz Toni.
Mudança de hábito
A médica Marcy Castilho, 42, que gasta cerca de R$
800 em supermercado por mês, modificou seus hábitos
no ano passado, reduzindo a compra de bens industrializados.
Em vez de comprar o suco de laranja, por exemplo, ela compra
a fruta e faz a bebida.
Os dados da Ipsos mostram que ocorreu uma sensível
deterioração no consumo de bens duráveis
em relação ao início do Real entre os
mais afortunados. Em 1997, 37% das classes A e B tinham carro
com até três anos de uso. Em 2003, essa fatia
caiu para 17%. "Em momentos de crédito barato,
como no início do Real, ocorre um boom de compra de
bens duráveis", observa Toni. Quando o crédito
seca ou fica muito caro -ou ambos, como em 2003-, os bens
de maior valor encalham nas prateleiras ou nas fábricas.
Quem mais sofre com a escassez de crédito são
as famílias mais pobres, segundo os analistas. No início
do Real, a classe C ganhou espaço no mercado consumidor,
apoiada no crediário. O peso desse segmento na economia
cresceu desde 1994. "Foi a classe que mais cresceu em
importância na última década", diz
Fioratti.
Segundo dados da empresa, em 1993, um ano antes do Plano
Real, a classe C (renda familiar de quatro a dez salários
mínimos) representava 26% da população.
Em 2000, passou a representar 34%.
A estabilização da moeda e o aumento da oferta
de crédito nos primeiros anos do Real aumentaram o
poder de compra das classes mais pobres. Ocorreu uma migração
de pessoas das classes D/E (renda abaixo de quatro mínimos)
para a classe C.
Esse processo durou até 2000, quando a classe C passou
a responder por 35% do consumo em 71 categorias de produtos
pesquisados pela Latin Panel. De lá para cá,
não houve mais evolução.
SANDRA BALBI
da Folha de S. Paulo
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