Pesquisadores da USP de Ribeirão
Preto estão prestes a tentar uma estratégia
inovadora contra o diabetes tipo 1, que afeta principalmente
crianças e adolescentes. A idéia é "desligar"
o sistema de defesa defeituoso do organismo dos pacientes
e refazê-lo com células-tronco, capazes de assumir
a função dos mais diversos tecidos.
"Temos esperança de começar na semana
que vem", disse à Folha o médico Júlio
César Voltarelli, 54, da Faculdade de Medicina de Ribeirão
Preto (FMRP-USP), que coordena o estudo. A equipe ainda está
em busca de pacientes para montar o grupo de 12 pessoas que
serão submetidas ao procedimento experimental.
A experiência anterior da equipe, pelo menos, é
animadora: Voltarelli e seus colegas já utilizaram
a tática em pacientes com grau avançado de doenças
auto-imunes (nas quais o próprio sistema de defesa
do organismo da pessoa se volta contra ela). Entre 22 pacientes
com lúpus (que pode afetar pele, articulações,
coração e cérebro) e esclerose múltipla
(que dificulta a transmissão de impulsos nas células
nervosas), 16 se recuperaram, enquanto os demais acabaram
morrendo.
São estratégias diferentes, explica Voltarelli.
Embora as três doenças sejam auto-imunes, a diferença
das já testadas é que nelas o dano continua
a progredir, enquanto no diabetes tipo 1 chega um momento
no qual o mal elimina completamente a capacidade do organismo
de produzir insulina, hormônio essencial para o metabolismo
do açúcar.
É aí que a doença mostra a sua faceta
auto-imune. Por razões ainda nebulosas para os cientistas,
as pessoas com diabetes tipo 1 sofrem com uma espécie
de guerra civil no próprio corpo. As células
do sistema imune, que deveriam proteger o organismo de invasores,
põem-se a atacar as células do pâncreas
que fazem insulina, até praticamente eliminá-las.
"É diferente do diabetes tipo 2, em que o que
acontece é muito mais uma exaustão: as células
ainda estão lá, mas precisam produzir muito
mais, em geral por causa de problemas de obesidade",
compara o pesquisador da USP.
Por tudo isso, a intenção dos pesquisadores
é aplicar o método em pessoas com diabetes tipo
1 recém-detectado (até seis semanas depois do
diagnóstico), nas quais ele tem chance maior de fazer
a diferença. O primeiro passo da equipe é utilizar
imunossupressores (drogas capazes de "desligar"
o sistema de defesa, eliminando as células que o comandam),
de forma a ganhar uma trégua no ataque ao pâncreas.
A seguir vêm as células-tronco da medula óssea
do próprio paciente, que são estimuladas a ir
para o sangue, coletadas e reinseridas. A operação
lembra o que acontece num computador que trava e precisa ser
reinicializado para voltar a funcionar normalmente. Como as
células-tronco da medula são capazes de originar
qualquer célula do sangue, inclusive as de defesa,
espera-se que elas refaçam o sistema imune do paciente
- do jeito certo.
Um possível bônus é que, como outros
estudos mostraram, as células-tronco medulares têm
potencial para ser ainda mais versáteis, virando tecidos
não-sanguíneos. Assim, com sorte, elas poderiam
reconstituir as células produtoras de insulina perdidas.
O médico diz que a imunossupressão da primeira
etapa do processo envolve riscos, mas que em pacientes em
estágio inicial não deve causar grandes danos.
AREINALDO JOSÉ LOPES
Da Folha de S.Paulo |