No Saresp
2003 -avaliação do desempenho escolar feita
pelo governo de São Paulo-, os professores aplicaram
as provas de redação e corrigiram esses testes
nas mesmas escolas estaduais nas quais regularmente lecionam.
É a primeira vez desde 1996, quando o Saresp foi instituído,
que a correção se dá sem rodízio
entre os profissionais de diretorias de ensino. Ou seja: nas
edições anteriores da avaliação,
professores de uma região corrigiram provas dos alunos
de outra.
O fim do rodízio para a correção das
redações acontece no mesmo ano em que o
Estado pagou R$ 9,9 milhões à Fundação
Carlos Chagas por uma avaliação externa de todos
os alunos, sob alegação de maior isenção
e objetividade no exame. Mas só as provas objetivas
(leitura e interpretação de textos) foram corrigidas
pela fundação.
A Secretaria Estadual da Educação diz que havia
uma recomendação para que professores avaliassem
alunos de classes para as quais não lecionam. Mas,
na prática, isso nem sempre ocorreu.
Carlos Ramiro de Castro, presidente da Apeoesp (associação
dos professores da rede estadual), diz que vários professores
relataram ter sido orientados por diretores a agir com "certa
condescendência na correção das provas".
"É óbvio que, com uma orientação
dessa, professor nenhum iria expor o seu aluno a uma nota
baixa", afirma a professora Maria Regina de Souza Sena,
uma das conselheiras da Apeoesp.
Roberto Leme, presidente da Udemo (associação
que reúne dirigentes do ensino estadual de São
Paulo), diz que nenhum dirigente de ensino admitiu ter orientado
os professores nesse sentido.
A Folha conversou com dez professores da capital, do litoral
e do interior que corrigiram provas e que, com a condição
de não serem identificados, confirmaram a orientação
de condescendência. As entrevistas estão gravadas.
"Se o aluno conseguisse se comunicar, mesmo que com erros
de grafia ou de concordância, mesmo que de maneira confusa,
era para dar uma nota boa", diz J., professora de português
que leciona no centro de São Paulo.
"A orientação da diretoria de ensino foi
para valorizar a criatividade e a idéia do aluno e
não ficar preso às questões de gramática",
afirma L., professora de português no interior. Ela
é uma das pessoas que corrigiram redações
de seus próprios alunos.
Na opinião do educador Cesar Callegari, presidente
da Câmara de Educação Básica do
CNE (Conselho Nacional de Educação), o fato
de os professores avaliarem seus próprios alunos macula
o resultado do teste. "Não pode existir envolvimento
do examinador com o examinado."
Segundo Sônia Maria Silva, coordenadora de estudos e
normas pedagógicas da Secretaria Estadual da Educação,
os professores foram orientados a corrigir as provas de acordo
com os critérios estabelecidos pela secretaria e pela
Fundação Carlos Chagas.
Ela diz que os possíveis casos de "maquiagem"
de notas dos alunos estão sendo apurados pelas diretorias
de ensino.
O resultado do Saresp, divulgado parcialmente no dia 23, surpreendeu
pelo bom desempenho dos alunos, já que o Saeb (avaliação
do governo federal) revelara dados bem diferentes.
O Saresp avaliou 4.274.404 estudantes, o que corresponde a
89,4% do total da rede do Estado. Mais da metade deles teve
desempenho considerado adequado nas provas objetivas e de
redação.
Os dados do Saeb, porém, indicam que nas séries
avaliadas (4ª e 8ª do ensino fundamental e 3ª
série do ensino médio) a taxa de adequação
em língua portuguesa não chegou a 10% dos alunos.
Em 2001, o governador Geraldo Alckmin (PSDB) decretou que
as notas do Saresp fossem um dos itens utilizados na composição
do bônus dado aos gestores das escolas (diretores, supervisores
e coordenadores) uma vez por ano. Em 2002, o benefício
chegou aos professores da rede estadual.
A Secretaria da Educação informou que, em 2003
e neste ano, o resultado do Saresp não foi utilizado
para a concessão do bônus. Os critérios
básicos foram a assiduidade, as ações
desenvolvidas nas escolas, o índice de evasão
escolar e a configuração da escola (alunos atendidos
e tamanho, por exemplo). Neste ano, o valor do bônus
-referente a 2003- variou de R$ 1.200 a R$ 7.000.
Segundo o presidente da Apeoesp, os critérios para
a concessão do benefício não são
claros. "Os professores não sabem ao certo o que
compõe o valor do bônus. Pensam que a nota do
Saresp continua valendo pontos."
CLÁUDIA COLLUCCI
da Folha de S.Paulo
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