Ela chegou a responder a 32 processos
criminais, com pelo menos cinco condenações.
Ele foi preso duas vezes por tráfico de drogas e tem
ficha de ex-detento. O terceiro foi acusado de portar uma
arma com numeração raspada. O quarto e o quinto
são considerados foragidos da cadeia.
Pela folha de antecedentes, os cinco parecem ser bandidos
perigosos. Mas Gema Zortéa, Helder Miguel Fernandes
Neves, Walter Bento Rodrigues, Osvaldo Ferreira dos Santos
e Mateus de Jesus Machado são apenas vítimas.
Eles não tinham antecedentes criminais até que
perderam ou tiveram os documentos roubados.
Os verdadeiros criminosos usavam as identidades de terceiros
quando foram presos. Produziram outros documentos com as informações
ou simplesmente colocaram sua foto na cédula de identidade.
A polícia acreditou e o nome errado foi parar na Justiça.
Inocentes foram presos ou condenados por falha de identificação.
Cinco casos encontrados pela Folha não mostram um problema
inusitado, mas situações cada vez mais frequentes
e que contrastam com o investimento em tecnologia em outros
setores da polícia e da Justiça, segundo avaliação
da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) de São Paulo,
de procuradores da PAJ (Procuradoria de Assistência
Judiciária) de São Paulo e de advogados.
"Existem tantos avanços tecnológicos em
alguns setores e, em outros, as coisas continuam muito rudimentares",
afirmou o procurador da PAJ Geraldo Sanches de Carvalho, que
atua na Vara das Execuções Criminais de São
Paulo, a maior do país.
Carvalho defendeu a auxiliar geral Gema Inês Zortéa,
49. Sem nunca ter entrado em uma delegacia, ela descobriu,
no final de 1998, que era acusada em 32 processos criminais.
Tinha perdido a cédula de identidade, a mesma em que
a verdadeira criminosa colocou sua foto, usando-a para cometer
furtos, ser presa, sair da cadeia e voltar a furtar.
Como Gema deixou de sair de casa, com medo de ser presa, sua
irmã, Clara Zortéa, 39, se encarregou de examinar
os casos. Ela se espantou com o fato de a verdadeira criminosa
ter usado a identidade de uma descendente de italianos sem
despertar suspeitas, apesar de ser negra.
Clara fez uma peregrinação por cartórios
que durou mais de um ano. "Mal resolvia um processo e
aparecia outro. Foi um ano de muita luta, mas deu certo."
O cobrador de ônibus Mateus de Jesus Machado não
teve a mesma sorte e ficou um ano e quatro meses preso por
um crime que não cometeu. "Falava que era inocente,
mas todos riam. Não há maior humilhação
do que essa."
Sem estatísticas
Não há levantamentos precisos sobre
os casos de erros judiciários causados por falhas de
identificação. Mas números de atendimentos
da PAJ mostram que esses problemas não são raros.
Só o plantão criminal da PAJ na capital paulista
atendeu mais de 30 casos neste ano -sem contar os serviços
dos procuradores da Vara das Execuções Criminais
e a atuação de advogados particulares.
"Isso pode acontecer com qualquer pessoa", disse
a procuradora Lorete Hirs Brilhante, que coordena o plantão
criminal da PAJ. Em apenas duas horas em que a reportagem
esteve no plantão, três pessoas que tiveram seus
documentos usados por criminosos procuraram o serviço
gratuito.
Para a procuradora, todos erram um pouco: a polícia,
por não identificar o preso corretamente, a Justiça,
por não perceber a falha, e a legislação,
por restringir os casos de identificação criminal.
"Muitas vezes, o documento tem erros grosseiros",
disse.
Ela defende mudanças em trecho da Constituição
que estabelece que "o civilmente identificado não
será submetido a identificação criminal,
salvo nas hipóteses previstas em lei". A identificação
civil consiste na apresentação de documentos
originais. Na criminal, são coletadas as digitais do
suspeito, que serão comparadas com os registros do
IRGD (Instituto de Identificação Ricardo Gumbleton
Daunt).
O item foi criado para evitar constrangimentos. "Até
que ponto algo que foi feito para evitar constrangimentos
não abre a possibilidade de haver um erro grave?",
questionou a procuradora.
Para Fernando Castelo Branco, conselheiro da OAB de São
Paulo e professor de Processo Penal da PUC (Pontifícia
Universidade Católica), mudanças na legislação
não vão resolver o problema. "O Estado
deveria estar aparelhado para que esses problemas não
viessem a acontecer."
O juiz aposentado e doutor em direito penal Luiz Flávio
Gomes também acredita que a causa do problema não
está na lei. "Com um pouco de boa vontade, a polícia
evitaria muitos erros."
As informações são
da Folha de S.Paulo.
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