"Já aprendi a mexer
com as máquinas mais modernas", empolga-se Evandro
Augusto Sant'Anna, 17, que faz curso de aprendizagem industrial
em offset (processo de impressão) no Senai e, nas férias,
trabalha numa fábrica de embalagens de Jundiaí
(a 60 km de São Paulo).
Ele é um dos 41.445 jovens que, até outubro
deste ano, viram na aprendizagem uma porta de entrada para
o mercado.
O "trabalho educativo", previsto desde a década
de 40, ganhou novo fôlego com a modernização
da legislação em 2000, que estendeu a obrigatoriedade
de cotas a todas as médias e grandes empresas. Em dois
anos, o número de aprendizes triplicou no Brasil. Segundo
o Ministério do Trabalho, o país passou de 14.010
aprendizes em 2001 para 36.584 em 2002.
A aprendizagem tem como objetivo a formação
técnico-profissional de jovens e a renovação
da mão-de-obra qualificada. São elegíveis
adolescentes de 14 a 18 anos, que se dividem entre a escola
regular, o curso de aprendizagem (em geral promovido por entidades
do Sistema Nacional de Aprendizagem, como o Senai) e a prática
em empresas.
Começando bem
O método é tido como uma via saudável
para o mercado de trabalho. Isso porque provê capacitação
e assegura direitos trabalhistas. "É um mecanismo
benéfico, principalmente para as camadas que se vêem
obrigadas a trabalhar mais cedo", avalia Pedro Américo
de Oliveira, 39, coordenador do Programa Internacional para
a Eliminação do Trabalho Infantil da Organização
Internacional do Trabalho (OIT).
"O ideal é que o jovem, quando estiver no mercado,
continue recebendo formação profissional. A
aprendizagem prepara para o trabalho", frisa Eliane Araque,
53, procuradora e coordenadora de combate à exploração
da criança e do adolescente do Ministério Público
do Trabalho.
A aprendizagem implica registro em carteira, o que dificulta
a exploração da mão-de-obra juvenil.
"Os sindicatos e o Ministério Público têm
mais possibilidades de fiscalizar", comenta Oliveira.
Quanto ao caráter educativo-pedagógico, configurado
pela prioridade legal de formação sobre produção,
Eliane Araque afirma que a aprendizagem não está
isenta de distorções. "Pode acontecer [de
o empregador cobrar produção sem oferecer formação],
mas bem menos do que entre os estagiários", compara.
Já a economista Dulce Cazzuni, 40, coordenadora do
programa Bolsa-Trabalho da Prefeitura de São Paulo,
diz que a Lei de Aprendizagem veio "na contramão
da história" e deve ser debatida. "É
importante que os jovens tenham inserção no
mercado. Mas é mais importante mantê-los na escola
para romper o ciclo de pobreza."
90% não são registrados
Os aprendizes ainda são uma pequena parcela
dos adolescentes brasileiros ocupados. A esmagadora maioria
ainda trabalha sem registro na carteira de trabalho.
Em 2002, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística),
cerca de 32% da população de 15 a 17 anos trabalhava.
Em números absolutos, eram 3,3 milhões de jovens.
Desse total, só 337 mil (10,2%) portavam carteira assinada.
Vale lembrar que, exceto na condição de aprendiz,
a legislação brasileira proíbe o trabalho
de menores de 16 anos.
Seja qual for o tipo de atividade que exerçam --como
aprendizes, estagiários ou trabalhadores "normais"--,
jovens com menos de 18 anos não podem fazer serviços
noturnos, perigosos ou prejudiciais ao seu desenvolvimento
pessoal.
JULIANA GARÇON
da Folha de S. Paulo |