Enquanto a Organização
das Nações Unidas (ONU) alerta, como fez anteontem,
que a cada 14 segundos um jovem é infectado pelo vírus
da aids, a Igreja tem afirmado a milhões de fiéis
que preservativos não são eficientes para prevenir
a transmissão da doença. “O argumento
moral contra a camisinha está sendo reforçado
por uma abordagem clínica inconsistente”, disse
Steve Bradshaw, jornalista do programa Panorama, da BBC de
Londres, que levará ao ar reportagem sobre o tema no
domingo.
As alegações da Igreja
são exatamente o contrário do que a ciência
já provou. O argumento é o de que não
se pode garantir que o preservativo bloqueie o vírus,
porque isso não ocorre nem mesmo com o espermatozóide,
cujo tamanho é muito maior. “O HIV é 450
vezes menor do que o espermatozóide. E o espermatozóide
pode passar pela trama do preservativo”, disse o cardeal
Alfonso Lopez Trujillo, presidente do Conselho Pontifício
para a Família, do Vaticano. O cardeal disse que, assim
como as autoridades de saúde alertam a sociedade sobre
os perigos do tabaco, o mesmo deveria ser feito com a camisinha.
Num continente onde os efeitos da
epidemia do HIV têm sido devastadores, o arcebispo de
Nairóbi, no Quênia, Raphael Ndingi Nzeki, disse
à emissora britânica: “A aids tem crescido
tão rápido por causa da disponibilidade de preservativos.”
O Vaticano se opõe a qualquer
forma de contracepção. Critica particularmente
o uso de camisinhas, considerado um incentivo à promiscuidade.
Em vários países, porém, a equipe do
programa da BBC constatou que o discurso da Igreja é
ainda mais dramático: de que os preservativos podem
matar.
Repercussão
A Organização Mundial da Saúde
(OMS) rejeita o ponto de vista da Igreja. Segundo a entidade,
responsável por vigiar o bem-estar e a saúde
das populações, as afirmações
dos religiosos sobre preservativo e aids são incorretas
e perigosas, uma vez que o mundo vive uma epidemia que já
matou 20 milhões de pessoas e atinge outras 42 milhões.
Em São Paulo, especialistas
ficaram abismados com a atitude da Igreja. “É
uma agressão à ciência”, disse Hélio
Vasconcellos Lopes, presidente do Departamento de Infectologia
da Associação Paulista de Medicina. Para ele,
a nova posição da Igreja é pior que a
anterior, de proibir o uso de camisinha. “São
dois absurdos: proibir e não reconhecer como eficiente
na prevenção da aids.”
O infectologista David Uip,
da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo,
foi enfático: “Sou católico e acredito
que a Igreja tem papel fundamental na formação
do jovem, mas ela não deve atrapalhar em assunto sério.”
Uip também afirmou que a Igreja está usando
argumentos científicos falsos. Até o início
da noite de ontem o Vaticano não tinha se manifestado
sobre a polêmica. (Com Reuters)
LUCIANA MIRANDA
Do jornal O Estado de S. Paulo
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