Uma pessoa morre a cada minuto por
causa da falta de controle na venda de armas, de acordo com
um relatório sobre o comércio internacional
de armas, publicado nesta quinta-feira pela organização
Anistia Internacional. O número equivale a cerca de
500 mil mortes por ano.
"Dos grupos armados do Rio de
Janeiro e Los Angeles às guerras civis da Libéria
e da Indonésia, as armas estão fora de controle",
diz o documento, intitulado Vidas Despedaçadas.
No caso do Brasil, pelo menos parte
dos 300 mil assassinatos que ocorreram no país nos
últimos dez anos poderia ter sido evitada se houvesse
um controle maior do acesso às armas, segundo a Anistia.
Embora cobre ações dos
governos, a organização defende que a melhor
forma de conter a proliferação de armas é
colocar em prática leis internacionais que regulamentem
o comércio de armas entre países.
Com o documento, a Anistia --em conjunto
com a organização britânica Oxfam--lança
uma campanha para que a ONU (Organização das
Nações Unidas) formule um tratado que, entre
outras regras, proíba a exportação de
armas para áreas em conflito.
Negócio lucrativo
O problema é convencer países
como Estados Unidos, França, Reino Unido, Rússia
e China --os cinco que detêm poder de veto no Conselho
de Segurança da ONU-- a impor limites em um comércio
no qual eles são os maiores beneficiários.
Segundo a Anistia, 88% das armas exportadas
atualmente saem desses países.
"Tudo depende do que os Estados-membros
estão dispostos a fazer", afirma Farhen Haq, porta-voz
do secretário-geral da ONU, Kofi Annan.
Haq, no entanto, argumenta que a ONU
está, assim como a Anistia, tentando "chamar atenção"
para o problema.
Na prática, não há
limites para o comércio internacional de armas convencionais.
O único instrumento que a ONU tem nesse sentido é
o embargo, geralmente impostos em áreas de conflito.
Ainda assim, nem sempre eles são
respeitados --a Anistia cita, por exemplo, o rompimento do
embargo à venda de armas ao Iraque nos anos 1980 por
empresas de países como Estados Unidos, Reino Unido,
França e Alemanha.
Recomendações
Para reforçar o combate à
proliferação de armas, a ONU já está
avaliando uma série de recomendações
feitas por peritos no assunto.
Segundo um funcionário da organização,
negociações poderiam começar no início
do ano que vem e uma resolução poderia ser proposta
em 2005.
Uma das propostas dos especialistas
para conter o comércio ilegal, por exemplo, seria registrar
todas as transações envolvendo armas, o que
permitiria detectar o ponto em que a arma é desviada
do circuito legal para o ilegal.
Damian Platt, da Anistia, diz que,
no Brasil, o desvio de armas fabricadas no próprio
país é um problema ainda maior do que a importação
de armas.
"Muitas armas saem do Brasil
legalmente e entram de novo pelo circuito ilegal, geralmente
indo parar nas mãos do crime organizado", afirma.
Não se sabe, no entanto, se
as recomendações feitas à ONU serão
adotadas nem se elas vão virar um tratado ou uma simples
convenção.
Negociação delicada
No relatório divulgado hoje,
a Anistia defende que um tratado sobre o assunto seja criado
até 2006.
O documento sugere que seja criado
algo semelhante ao tratado pela eliminação das
minas terrestres, de 1997, que foi criado a partir de uma
campanha da organização.
Mas especialistas destacam que a negociação
de um tratado que estabeleça limites para o comércio
internacional de armas seria mais delicada, já que
o assunto envolve segredos de Estado e fortes interesses comerciais
nos países exportadores.
"O caso das minas era mais fácil
porque o impacto humanitário era claro e foi muito
fácil de realçar. No comércio internacional,
os países produtores são confrontados com a
opção de favorecer uma indústria interna
de grande rendimento ou adotar um procedimento baseado em
princípios", afirma o funcionário da ONU.
A própria Anistia afirma no
relatório que a tendência mundial tem sido a
de relaxamento na venda de armas --e não a de maior
controle.
A organização atribui
isso à nova política de defesa adotada desde
os atentados de 11 de setembro de 2001 nos Estados Unidos.
Ajuda militar
"Alguns fornecedores relaxaram
os seus métodos de controle para que pudessem armar
novos aliados contra o terrorismo", diz o documento.
A organização cita como
exemplos a ajuda militar que os Estados Unidos vêm prestando
ao governo das Filipinas para combater grupos rebeldes armados
que atuam no país.
Apenas no final de 2001, o governo
americano teria fornecido equipamentos militares ao país
asiático no valor de US$ 100 milhões e treinamentos
de contra-insurgência que "não incorporam
salvaguardas rígidas para os direitos humanos",
o que violaria uma lei dos próprios Estados Unidos
que proíbe ajuda a forças de segurança
estrangeiras que cometem abusos contra direitos humanos.
Segundo a Anistia, os países
do G8 (o grupo dos sete países mais ricos do mundo
e a Rússia) conseguiram forjar uma aliança global
para impedir que grupos extremistas tenham acesso a armas
de destruição em massa, mas teriam se omitido
ao não lidar com a proliferação de armas
convencionais que eles sabiam que seriam usadas para "aterrorizar"
populações civis.
Um funcionário da ONU afirma
que a preocupação com as armas de destruição
em massa é legítima, mas ressalta que são
as armas convencionais que estão matando as pessoas
hoje.
"Não se deve deixar as
armas convencionais em segundo plano. Elas são o perigo
imediato, as de destruição em massa são
uma ameaça terrível", afirma.
Carolina Glycerio
da BBC, em Londres
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