SÃO PAULO. Será difícil
para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva cumprir
a promessa de acabar com a fome em pouco tempo como anunciou
anteontem. O principal entrave é sua própria
política econômica. A opinião é
do principal idealizador do Fome Zero, o professor Walter
Belik, hoje da ONG Apoio Fome Zero, e é compartilhada
por outros especialistas em segurança alimentar.
"Acho incompatível ampliar o combate à
fome com o modelo econômico adotado. O governo optou
por uma linha de baixa intervenção do Estado.
Poderia optar por gastar mais (com o social) e investir menos
no pagamento de juros", afirma Belik.
Investimento
O professor conta que quando o Fome Zero foi criado,
estimava-se que seria necessário investir US$ 10 bilhões
por ano só com políticas de transferência
de renda para quem vive abaixo da linha da pobreza (menos
de US$ 1 por dia):
"Quando fizemos o programa, calculamos que não
seria necessário repetir este investimento todo ano,
pois estaríamos abrindo um círculo vicioso.
Acontece que o governo não tem os US$ 10 bilhões
e fez a opção de manter a estabilidade econômica,
cumprir seus compromissos (com o FMI) e cortar gastos sociais".
Mesmo assim, Belik faz uma análise positiva do Fome
Zero e pondera que a sociedade civil ainda pode se mobilizar
mais em favor do combate à miséria. Ele afirma
que não imaginava que o programa tivesse respostas
tão rápidas, tanto no plano nacional quanto
no mundial:
"Hoje existe uma mobilização em cima do
que antes era lançado para baixo do tapete. A fome
está na pauta, inclusive das próximas eleiçõe".
Outra especialista em segurança alimentar, a epidemiologista
Ana Maria Segall, que coordena uma pesquisa nacional sobre
o tema para o IBGE, concorda com Belik.
"Lula expressou apenas um desejo. Mas se quiser mesmo
realizá-lo, terá que mudar a linha econômica.
Há uma dissociação no governo, é
como se a política econômica trabalhasse contra
as políticas sociais", avalia ela.
Segundo a especialista, a única fome que Lula pode
realmente conseguir acabar em curto tempo é a emergencial,
que atinge uma minoria.
"É preciso distribuir renda e fazer inclusão
social. Isso não se faz em curto prazo, até
porque o desemprego está se agravando", disse.
“É preciso saber de qual fome presidente fala”
Ana Maria concluiu recentemente uma pesquisa em Campinas,
cidade de um milhão de habitantes. O levantamento indica
que, ao contrário dos 50 mil estimados, 200 mil moradores
sofrem com insegurança alimentar.
"É o adulto que deixa de comer para que o filho
ou o neto comam e com um dinheiro que não é
fixo. Isto é fome também. E há a criança
que nada tem para comer em casa. É preciso saber de
qual fome o presidente está falando", diz Ana
Maria.
Cautela
Já o diretor executivo do Instituto Ethos,
Paulo Itacarambi, mostrou-se mais cauteloso do que Lula ao
comentar a expectativa sobre um prazo para erradicação
da miséria. Em palestras a representantes de empresas
privadas envolvidas em projetos de responsabilidade social,
Itacarambi disse ontem que prefere não determinar tempo.
As informações são
do jornal O Globo.
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