O Ministério
da Saúde vai aumentar em 50% a distribuição
do contraceptivo de emergência, mais conhecido como
pílula do dia seguinte, na rede pública de saúde.
A medida é bastante polêmica porque há
grupos religiosos e médicos contrários ao método
por considerá-lo abortivo.
No ano passado, foram distribuídos na rede pelo menos
120 mil contraceptivos de emergência a cerca de 2.000
cidades, segundo informação de movimentos feministas
que acompanham a distribuição dessas pílulas.
O medicamento é indicado para evitar gravidez indesejada
e deve ser tomado até 72 horas após o ato sexual.
A pílula causa, entre outras reações,
uma esfoliação do útero, dificultando
a fixação de um eventual óvulo fecundado.
Para a Igreja Católica, antes de se fixar no útero,
o óvulo fecundado já é o início
de uma vida humana. "Se ele [o óvulo] for expelido
antes da sua fixação no útero, já
se trata de aborto", afirma o professor Humberto Leal
Vieira, membro vitalício da Pontifícia Academia
para a Vida, um escritório do Vaticano para questões
éticas.
Já a Sociedade Internacional de Ginecologia e Obstetrícia
conceitua a gravidez a partir da nidação, ou
seja, da fixação do embrião na camada
que reveste o útero (endométrio). Mas nem entre
os médicos há consenso.
"É hipocrisia negar que a pílula seja
abortiva. Ela é abortiva sim e a mulher precisa estar
informada para tomar uma decisão consciente",
diz o médico Marcelo Zugaib, chefe do departamento
de ginecologia e obstetrícia do Hospital das Clínicas
de São Paulo.
E Zugaib não é exceção. Pesquisa
com 579 ginecologistas brasileiros, publicada em 2001, mostrou
que 30% deles consideravam a pílula abortiva. Na opinião
de Jorge Andalaft Neto, da Febrasgo (Federação
Brasileira das Sociedades de Ginecologia e Obstetrícia),
hoje a situação deve ser outra porque os profissionais
estão mais bem informados sobre a ação
do contraceptivo.
Andalaft Neto, que preside a comissão de violência
sexual e de interrupção da gestação
prevista em lei da federação, afirma que há
muitos estudos demonstrando que a pílula não
provoca o aborto caso a mulher já esteja grávida.
O contraceptivo de emergência vem sendo sugerido pela
rede pública, principalmente, em duas situações:
quando o método usado pelo casal falha (especialmente
a camisinha) ou no caso de violência sexual contra a
mulher.
"Nossa preocupação deve ser com a saúde
pública, com a saúde da mulher, com o direito
de opção. Respeitamos totalmente a visão
da igreja e seus princípios, mas, como autoridades
de saúde pública, nossa preocupação
deve ser com a saúde da população",
disse o ministro da Saúde, Humberto Costa.
Polêmicas éticas e morais à parte, médicos
e grupos feministas vêem na decisão do governo
uma porta para a diminuição dos casos de abortos
clandestinos. O aborto é a terceira causa de morte
materna e a quinta causa de internação na rede
pública de saúde do país.
Abortos
Segundo a médica Fátima Oliveira, secretária-executiva
da organização não-governamental Rede
Feminista de Saúde, estima-se que as brasileiras façam
anualmente 1 milhão de abortos clandestinos. Cerca
de 250 mil mulheres são internadas por ano na rede
pública por abortos provocados.
A mortalidade materna atinge 74 entre 100 mil mulheres nas
capitais, e a meta do governo é reduzir em 25% essa
taxa até 2006.
Em todo o país, há cerca de 80 serviços
que atendem mulheres vítimas de violência sexual,
mas nem todos fazem aborto. Alguns apenas oferecem exames
para identificar se a vítima contraiu doenças.
Assim, muitas mulheres, especialmente as de baixa renda, ainda
têm dificuldades de acesso ao aborto legal mesmo nos
casos assegurados por lei -quando a gravidez coloca em risco
a vida da mulher ou em casos de estupro.
Em 2002, foram feitos na rede pública 946 abortos
legais -os números de 2003 ainda não foram fechados.
De acordo com Andalaft Neto, houve uma queda de 60% nos pedidos
de aborto legal desde o início da distribuição
dos contraceptivos nos serviços que atendem mulheres
vítimas de violência.
Segundo a Folha apurou, o objetivo do governo é colocar
as pílulas do dia seguinte não apenas nos serviços
que atendem mulheres vitimizadas sexualmente, mas em postos
de saúde para que mais mulheres -que se enquadram nas
situações indicadas para tomar o medicamento-
possam ter acesso a ele.
Além de colocar mais contraceptivos de emergência
na rede pública, o médico Andalaft Neto defende
que o governo também facilite o acesso das usuárias
às consultas médicas. Nos postos de saúde,
o prazo para a mulher conseguir uma consulta dificilmente
é menor do que uma semana, o que inviabilizaria o uso
do contraceptivo de emergência.
O incremento da oferta da pílula do dia seguinte é
uma das sete diretrizes da Política Nacional de Atenção
Integral à Mulher, que deverá ser lançada
em maio, com cerimônia no Palácio do Planalto.
O contraceptivo de emergência entrou no cardápio
de medicamentos da rede pública em 2002, quando foram
distribuídas 100 mil doses do remédio para aproximadamente
400 cidades com mais de 50 mil habitantes.
A pílula até hoje é distribuída
aos municípios nos chamados kits complementares com
os métodos contraceptivos que necessitam de acompanhamento
médico mais assíduo, caso do DIU (Dispositivo
Intra-Uterino) e dos anticoncepcionais injetáveis.
GABRIELA ATHIAS
CLÁUDIA COLUCCI
da Folha de S. Paulo
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