BRASÍLIA.
O governo foi surpreendido com a aprovação da
emenda constitucional que torna estáveis os servidores
públicos federais, estaduais e municipais contratados
sem concurso entre 6 de outubro de 1983 e 5 de outubro de
1988, véspera da promulgação da Constituição.
Agora, o governo, que não sabia da proposta e não
acompanhou seu andamento, diz que pretende engavetar o projeto
para que não chegue ao plenário.
“O destino da emenda é a Sibéria. Não
tem chance, não há clima para isso “,
disse o presidente da Câmara, João Paulo Cunha
(PT-SP).
O projeto passou por uma comissão especial, depois
de ser aprovado pela Comissão de Constituição
e Justiça. Segundo João Paulo, a comissão
especial foi instalada porque este é o procedimento
com todas as propostas de emenda constitucional. O projeto
altera um artigo das Disposições Transitórias
da Constituição que previa a estabilidade aos
servidores que não passaram por concurso e foram admitidos
antes de 5 de outubro de 1983.
Ações judiciais
No governo, calcula-se que a proposta pode beneficiar
até cem mil pessoas e provocar ações
judiciais de servidores que perderam o emprego quando a Constituição
foi promulgada, exigindo o pagamento retroativo de direitos.
O líder do governo, Professor Luizinho (PT-SP), disse
que o projeto é vergonhoso:
“É inaceitável. Desmoraliza e preocupa.
Não é um trem da alegria, é um trem da
vergonha”, criticou Luizinho.
Em reunião ontem no Palácio do Planalto com
o ministro Aldo Rebelo (Coordenação Política),
o assunto foi levantado pelo líder do PT, Arlindo Chinaglia
(SP), que disse não saber o que levou parlamentares
governistas a se ausentarem.
Justificativa ética
Chinaglia disse que foi feito um acordo para a aprovação
da proposta, sem compromisso com a votação de
plenário. Na reunião, observou-se que o projeto,
se transformado em lei, quebraria municípios. Além
disso, aprovar seria ignorar a necessidade de concurso público,
desmoralizando a administração.
“Não há justificativa social, ética
e moral para garantir para uns e tirar de outros. O cabidão
não passa na bancada do PT”, afirmou.
O projeto é de autoria do deputado Celso Giglio (PTB-SP).
Inicialmente, segundo os líderes governistas, destinava-se
a corrigir injustiças em autarquias e fundações,
mas foi recebendo emendas até o formato aprovado no
final de março. A proposta não pode ser arquivada,
porque já passou pela comissão especial. Só
resta ao governo derrubá-la no voto ou impedir que
entre em pauta, hipótese já eleita como estratégia.
A obrigatoriedade de governos terem que garantir estabilidade
aos servidores beneficiados pelo projeto pode abalar a economia
de estados e municípios. Em Mato Grosso, tão
logo a Constituição foi promulgada, o governo
realizou concurso público para substituir 19 mil servidores
sem estabilidade. Em outros estados ocorreu o mesmo. Se tiverem
o direito de voltar ao trabalho, além da despesa adicional
com a incorporação do novo efetivo, estados
e municípios poderiam sofrer ações judiciais
para cobrar correções salariais concedidas no
período em que os ex-funcionários ficaram afastados
do serviço público.
LYDIA MEDEIROS
ISABEL BRAGA
do jornal O Globo
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