Levantamento
feito pela Folha aponta que, no primeiro ano do mandato do
presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o gasto social
permaneceu estagnado e repetiu o padrão dos últimos
dez anos: as despesas previdenciárias crescem, independentemente
da vontade do governo, enquanto as demais áreas são
comprimidas.
No total, o Executivo federal destinou à área
social, em 2003, o equivalente a 11,32% do PIB (Produto Interno
Bruto, a partir dos valores recém-divulgados pelo IBGE)
-acima dos 10,85% de 2002, no final do governo FHC. Quando
se retiram do cálculo os gastos associados aos aposentados,
porém, há uma ligeira queda, de 4,16% para 4,04%
do PIB.
Foram pesquisadas as dez áreas do Orçamento
da União mais associadas ao setor social: previdência,
saúde, educação, trabalho, assistência,
organização agrária, cidadania, urbanismo,
habitação e saneamento. Não foram considerados
os benefícios pagos a servidores públicos inativos.
Além das despesas previdenciárias, só
a área de assistência registrou aumento real
do gasto no primeiro ano de Lula. Houve estabilidade na área
do trabalho, cuja principal despesa é o seguro-desemprego.
As demais caíram.
Boas e más notícias
É possível enxergar, conforme a ótica
adotada, boas e más notícias nos números.
De positivo, verifica-se que as despesas sociais foram relativamente
poupadas pela política de aperto fiscal -ou arrocho,
também conforme a ótica- iniciada em 1999 e
aprofundada por Lula.
Politicamente, entretanto, o resultado é frustrante
se comparado ao discurso histórico do PT e às
promessas eleitorais de combate à miséria e
ampliação dos serviços do Estado -ainda
mais porque não são visíveis, a partir
dos dados, perspectivas de alteração do quadro.
São particularmente embaraçosas as quedas do
gasto nas áreas de saúde, educação
e organização agrária, caras aos petistas.
A destinação de recursos orçamentários
a essas três áreas passou de R$ 39,8 bilhões,
em 2002, a R$ 42,3 bilhões, o que corresponde a uma
queda de 2,96% para 2,79% do PIB. Em valores corrigidos, saúde,
educação e reforma agrária perderam R$
2,5 bilhões no primeiro ano de Lula.
As despesas previdenciárias, compostas basicamente
pelo pagamento de benefícios do INSS (Instituto Nacional
do Seguro Social), passaram de R$ 90 bilhões (6,69%
do PIB) para R$ 110,3 bilhões (7,28% do PIB).
Muito pouco desse aumento se deve a uma ação
deliberada do governo. O reajuste real do salário mínimo,
que serve de referência aos benefícios do INSS,
foi inferior a 2% no ano passado. O que pesa mais na conta
é o crescimento vegetativo do número de aposentados,
decorrente do envelhecimento e do aumento da expectativa de
vida da população.
Prioridade e qualidade
Outra afirmação otimista é que não
resta dúvida quanto à prioridade social do gasto
público. O setor respondeu por cerca de dois terços
das despesas orçamentárias executadas pela União
em 2003, excluindo da conta os encargos da dívida.
Nesse quesito, União, Estados, municípios e
estatais gastaram em 2003 R$ 145,210 bilhões (9,49%
do PIB).
Há dúvidas, porém, quanto à qualidade
do gasto social, ou seja, sobre se o dinheiro disponível
realmente beneficia as camadas mais pobres e necessitadas
do amparo do Estado. Um trabalho nesse sentido, que gerou
controvérsia no próprio governo, foi elaborado
no ano passado pela equipe do Ministério da Fazenda,
sob comando de Antonio Palocci.
O documento "Gasto Social do Governo Central" abraçou
um diagnóstico quase consensual entre os economistas
de pensamento liberal: o gasto social brasileiro não
é pequeno e está em crescimento, mas é
mal direcionado. A prioridade aos aposentados é um
dos pontos mais questionados.
Usando outra metodologia -que considerou, por exemplo, as
despesas com servidores inativos- e analisando os anos de
2001 e 2002, o estudo apontou um aumento do gasto social de
13,35% para 13,5% do PIB no período; mas, sem as aposentadorias
e pensões, houve uma queda de 4,44% para 4,36% do PIB.
Resultados semelhantes foram encontrados em estudos da Fazenda,
para o período 1998-2000, e do Ipea (Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada, do Ministério do Planejamento),
para o período 1994-1996. Dados mais antigos não
são comparáveis, por serem distorcidos pela
inflação.
Há seis anos, trabalhando com dados de 1995, o Ipea
estimou o gasto público social do país -incluindo
União, Estados e municípios- em 21% do PIB,
número que serve de referência até hoje,
em razão da precariedade das estatísticas estaduais
e municipais.
Em comparação feita na época, o Brasil
liderava, ao lado da Costa Rica, o gasto social na América
Latina, superando Argentina (18,6% do PIB), México
(13,1%), Chile (13,4%), Colômbia (12%) e Venezuela (8,5%).
GUSTAVO PATU
da Folha de S. Paulo
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