O tráfico
da Rocinha desceu o morro ontem e desafiou a polícia
no asfalto. Quinhentas pessoas — inclusive muitos bandidos,
segundo policiais — foram ao Cemitério São
João Batista, em Botafogo, acompanhar o sepultamento
do traficante Luciano Barbosa, o Lulu, que comandava a venda
de drogas na favela. Com pedras e garrafas cheias d’água,
integrantes do bando de Lulu agrediram repórteres e
hostilizaram a polícia. Uma repórter de TV foi
ferida por um pedaço de granito atirado pelo grupo,
sendo levada para a emergência de um hospital em Copacabana.
PMs, em número insuficiente, ficaram acuados e não
reagiram. O enterro foi dominado por manifestações
de lealdade ao traficante morto anteontem e ameaças
ao bando de Eduíno Eustáquio de Araújo
Filho, o Dudu, que tenta tomar as bocas-de-fumo da Rocinha.
"Dudu, pode esperar, a tua hora vai chegar!", gritavam
as pessoas ao fim do sepultamento.
Ônibus
Um esquema de policiamento precisou ser montado para que
as pessoas deixassem o cemitério sem incidentes. Um
trecho da Rua General Polidoro foi interditado e o tráfego
desviado pela São João Batista, para que moradores
da Rocinha embarcassem em sete ônibus da empresa Amigos
Unidos, estacionados a poucos metros. Assustados, motoristas
de táxi recusavam passageiros. Um deles chegou a ser
ameaçado por um grupo que queria ser levado para a
Rocinha. Policiais à paisana retiraram os passageiros
do veículo.
O clima era tenso antes mesmo da chegada dos ônibus.
Por volta de 15h, as capelas 5 e 6, onde eram velados, respectivamente,
os corpos de Lulu e de seu cúmplice Ronaldo Araújo
da Silva, também morto anteontem, já estavam
cheias. Muitos mototáxis estavam estacionados na entrada
do cemitério. Ronaldo controlava um dos pontos do serviço
na Rocinha.
Os primeiros sinais de hostilidade foram dados quando a mãe
de Ronaldo, aos prantos, deixou a capela sentindo-se mal.
Ela gritava que o filho morrera porque não a obedecera.
Um cinegrafista tentou registrar a imagem e foi agredido verbalmente
por homens que a acompanhavam, sendo obrigado a sair dali.
Do lado de fora do cemitério, a alguns metros da entrada
da capela, a tensão aumentou. Ao desembarcar de um
ônibus, uma das mulheres de Lulu irritou-se com a presença
dos jornalistas e atirou uma garrafa com água. Depois,
um cone de trânsito. O gesto foi o estopim para outras
agressões. Do segundo andar do prédio, rapazes
arremessaram pedras. Eles fumavam maconha ao lado das capelas
em que os corpos de outras pessoas eram velados. O pânico
fez com que muitos pedissem a antecipação do
sepultamento de seus parentes. Outros desistiam de ir ao cemitério
ao perceber a confusão na Rua Real Grandeza.
Com o tumulto, houve um reforço de policiamento, segundo
o 2 BPM (Botafogo), com cem homens, inclusive do Batalhão
de Choque. Pouco antes do horário do enterro (17h),
o comandante do 2 BPM, Romão Vilaça, foi abordado
por um homem que dizia representar a Rocinha. Sem se identificar,
ele disse que não queria os jornalistas dentro do cemitério.
Houve receio de que algumas pessoas estivessem armadas e fizessem
disparos. O comandante, entretanto, negou que tenham sido
feito ameaças.
"Se tivesse feito alguma ameaça, eu teria dado
voz de prisão a ele. Havia hostilidade contra a imprensa
porque as pessoas da família queriam ter privacidade
no velório", afirmou.
No cimento fresco da sepultura do bandido, foram escritas
frases de despedida, como “Lulu, eu te amo”.
Na volta do cemitério, rumo à Rocinha, a polícia
reforçou o patrulhamento no trajeto do comboio de ônibus,
mas não conseguiu evitar cenas de vandalismo. Na Rua
Jardim Botânico, os passageiros quebraram os vidros
das janelas e subiram nos veículos. A Auto-Estrada
Lagoa-Barra foi interditada durante cinco minutos, a partir
das 17h55m, para a passagem dos sete ônibus.
"Rá-rá, ru-ru! É o bonde do Lulu!",
gritavam as pessoas na entrada da favela.
As informações são
do jornal O Globo.
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