Os números
são dramáticos: mais de um bilhão de
pessoas no mundo vive com menos de US$ 1 por dia, 11 milhões
de crianças morrem a cada ano de doenças que
poderiam ter sido perfeitamente evitadas, 840 milhões
de pessoas vivem com fome crônica e outro bilhão
não tem acesso à água potável.
Este é o quadro traçado por 265 especialistas
em desenvolvimento no maior estudo já feito sobre a
pobreza no mundo: “Investindo no Desenvolvimento”,
divulgado ontem na Organização das Nações
Unidas (ONU), em Nova York.
No documento de três mil páginas, encadernadas
em 13 livros, eles concluíram que esta desgraça
está longe de ser inexorável: se os países
ricos cumprissem a promessa de investir 0,7% do Produto Interno
Bruto (PIB) em ajuda ao desenvolvimento — percentual
acordado em 1970 — mais de 500 milhões de pessoas
poderiam sair da miséria e dezenas de milhares escapariam
da morte na próxima década. Ações
simples, como colocar mosquiteiros na cama de crianças,
bastariam para salvar a vida de milhares que vão morrer
por causa da malária na África e na Ásia.
"O mundo tem tecnologia e know-how para acabar com a
pobreza. Sejamos claros: o sistema não está
funcionando direito. Existe uma enorme preocupação
com a paz e a guerra, mas uma preocupação muito
menor com a pobreza e com os necessitados", disse Jeffrey
Sachs, diretor do Instituto da Terra da Universidade de Columbia
e diretor do Projeto Milênio da ONU.
Tsunami da fome
O grupo de Sachs foi encarregado em 2002 pelo secretário-geral
da ONU, Kofi Annan, de propor ações para que
seja alcançado o objetivo de reduzir à metade
a pobreza do mundo até 2015, uma das Metas do Milênio
estabelecidas em 2000.
"Não é nada utópico, é perfeitamente
realizável", disse Annan, informando que vai preparar
um relatório para ser apresentado na reunião
de chefes de Estado em setembro, quando será feito
um balanço das ações de combate à
pobreza.
"Não estamos sugerindo que os países dêem
um centavo a mais do que já se comprometeram. Não
estamos exigindo nenhuma promessa nova. Se for cumprido o
combinado, a nossa geração pode acabar com a
miséria no mundo", disse Sachs.
Só cinco dos 22 países ricos estão aplicando
0,7% do PIB em ajuda às nações mais pobres:
Dinamarca, Luxemburgo, Noruega, Holanda e Suécia. Outros
seis — Bélgica, Espanha, Finlândia, França,
Grã-Bretanha e Irlanda — se comprometeram a alcançar
esta meta em 2015. Japão, Estados Unidos e Alemanha,
para citar apenas alguns, estão longe de investir o
prometido. Apesar de serem os mais ricos do mundo, os americanos
só investem 0,15% de seu PIB em ajuda aos pobres.
"Os US$ 135 bilhões necessários em 2006
para cumprir os objetivos das Metas do Milênio empalidecem
frente aos US$ 30 trilhões movimentados na economia
das nações desenvolvidas, sendo US$ 12 trilhões
só nos EUA", disse Sachs, argumentando que só
deveriam ter assento no Conselho de Segurança da ONU
as nações que cumprissem o compromisso de destinar
0,7% do PIB ao combate à pobreza.
Segundo a ONU, os países de renda média, como
Brasil, China, Malásia, México e África
do Sul, têm condições de acabar sozinhos
com seus bolsões de miséria e ainda podem ajudar
Ásia e África. Ernesto Zedillo, ex-presidente
do México, que também participou da elaboração
do estudo, concorda:
"Tanto México quanto Brasil não precisam
de uma ajuda considerável dos outros países,
porque têm riquezas e estão na fronteira entre
os ricos e pobres. Precisam é um comércio internacional
mais aberto."
Para Sachs, a tragédia na Ásia do fim do ano
passado mostrou que há compaixão no mundo:
"Agora é a hora de os países ricos se
mobilizarem contra a tsunami silenciosa que mata milhões:
a fome, a pobreza, a falta de acesso à água
potável e doenças ligadas à falta de
saneamento e educação."
HELENA CELESTINO
Correspondente NOVA YORK
do jornal O Globo
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