Para quem não escuta, quem não enxerga, quem não anda
ou caminha com dificuldade, São Paulo é mais
que uma selva de pedra. Para esses, a cidade é um cipoal
de barreiras que dificulta ou impede qualquer movimento.
Pelo censo de 2000, o número de pessoas portadoras
de deficiência em São Paulo chega a 1 milhão.
No Brasil todo, são 24,5 milhões, ou 14,5% da
população.
Ninguém sabe ao certo quantos se movimentam em cadeira
de rodas ou só caminham tateando o chão com
uma bengala. Pelo censo, 26% dos portadores de necessidades
especiais têm deficiência física ou motora,
e 48% apresentam dificuldade para enxergar.
Numa cidade como São Paulo, seriam, no mínimo,
400 mil cadeirantes e outro tanto de cegos.
Quem percorre a cidade, no entanto, nem percebe que eles
existem, tão poucos os que se arriscam a sair às
ruas. Cerca de 70% -na estimativa de alguns especialistas-
permanecem ou são mantidos no interior de suas casas,
longe dos olhos do público e das ameaças da
cidade.
Este é o cenário atual e desalentador para
as PPDs, pessoas portadoras de deficiência. A notícia
é que algumas grandes empresas e administrações
públicas estão tomando iniciativas para incluir
o "consumidor" deficiente.
"É uma combinação de cidadania
e interesse no mercado", diz Andrea Schwarz, 27, há
cinco em cadeira de rodas. Vítima repentina de uma
paraplegia (má formação congênita
da medula), ela se viu de repente numa cadeira de rodas. "Tínhamos
acabado de fazer uma viagem de mochileiros pela Europa e,
de volta, na praia, Andrea começou a sentir as pernas
dormentes", relata o então namorado, Jaques Haber.
Alguns dias depois, estava paralisada. A cidade transformou-se
então numa imensa barreira, Andrea se recorda. Ela
era a mesma, tinha as mesmas vontades, mas a cidade já
não permitia que visitasse os amigos ou fosse a seus
bares preferidos. Os dois, hoje casados, passaram a se dedicar
ao assunto e montaram um escritório para assessorar
empresas.
Ela, fonoaudióloga, ele publicitário, escreveram
juntos o "Guia São Paulo Adaptado" (Editora
Rosa dos Ventos), para pessoas portadoras de necessidades
especiais. Visitaram cerca de mil estabelecimentos, de bares
a motéis. Selecionaram 400 "entre os menos ruins".
O escritório assessora várias empresas, entre
elas a Febraban (Federação Brasileira dos Bancos)
e o Pão de Açúcar.
"As empresas estão se tornando mais abertas e
sensíveis a essa questão", diz a arquiteta
e deficiente Silvana Serafino Cambiaghi, que representa a
Secretaria das Subprefeituras dentro da CPA (Comissão
Permanente de Acessibilidade). A CPA está ligada à
Secretaria Municipal da Habitação e vem produzindo
uma série de publicações que orientam
o construtor, os empresários, o deficiente e o cidadão
comum.
Cambiaghi lembra prefeituras como a de Santos, que criou
espaços acessíveis em toda a sua orla, permitindo
o acesso de cadeirantes, e pôs piso tátil para
deficientes visuais. São Paulo, que precisa de 50 mil
guias rebaixadas e só tem 9.300, fez um convênio
com a Associação Brasileira de Cimento Portland
para instalar outras 5.000 rampas pré-moldadas, mais
baratas, práticas e resistentes.
"Empresas que querem exportar estão valorizando
o "desenho universal", dando a seus produtos formas
que facilitam o uso de todas as pessoas, incluindo as portadoras
de necessidades especiais", diz. Assim, um telefone terá
os números em braile e uma luz que alertará
deficientes auditivos.
Loja para cegos
Várias empresas vêm fazendo adaptações
para esse "nicho" de mercado. O Pão de Açúcar
já fez mudanças em sete de suas lojas e vai
inaugurar, no meio do ano, uma especialmente preparada para
deficientes visuais. Segundo Adriana Schwarz, um piso tátil
conduzirá o deficiente até uma recepção
onde receberá um walkman. "Uma gravação
vai indicando onde o cliente está e quais produtos
estão naquela gôndola, exatamente como se faz
nos museus europeus", diz Schwarz. Vários fabricantes
já escrevem em braile em suas embalagens. Alguns supermercados
já mantêm os produtos ao alcance dos cadeirantes,
e outros colocam funcionários para auxiliar deficientes.
AURELIANO BIANCARELLI
da Folha de S. Paulo
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