NOVA YORK.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva conseguiu reunir
ontem representantes de 107 países — sendo 60
chefes de Estado e de governo — em torno de sua proposta
de uma aliança internacional para o combate à
fome e à pobreza. Mas será preciso um grande
esforço de negociação para que os países
cheguem a propostas concretas na Assembléia-geral da
ONU, no ano que vem, quando será avaliado o cumprimento
das Metas do Milênio. O tamanho das dificuldades pode
ser medido pelo discurso da secretária da Agricultura
dos Estados Unidos, Ann Veneman, representante do governo
Bush.
"É preciso medidas concretas para obter recursos
para financiar o desenvolvimento. Impostos mundiais não
são democráticos e sua aplicação,
impossível", disse Ann, criticando a proposta
de taxação de transações financeiras,
que poderia render uma arrecadação estimada
em US$ 17 bilhões por ano para programas contra a fome.
As propostas foram encampadas por Chile, França e
Espanha. Lula, no entanto, não desanimou. Em entrevista
coletiva à noite, disse que as propostas não
são definitivas.
"Em política, já vi milhares de pessoas
serem contra uma coisa ontem e serem favoráveis à
mesma coisa no dia seguinte. Estamos começando um processo
que envolve diversos países e muitos especialistas.
O tempo vai permitir que quem discorda apresente uma proposta
melhor. Nossas propostas não são definitivas
nem somos donos da verdade. Só temos clareza de que
a questão da fome não pode ficar assim e nem
tratada de um jeito que não deu certo", disse
o presidente. "Estamos num período eleitoral nos
Estados Unidos e ano que vem poderão ser possíveis
propostas consideradas impossíveis hoje. O governo
americano deu um passo importante ao enviar a ministra da
Agricultura. O mais importante não é concordar
nem discordar, é participar".
Apoio
Na entrevista, o presidente da França, Jacques
Chirac, disse que as instituições internacionais
concordam com a proposta brasileira, que será discutida
na próxima reunião do FMI. Chirac disse que
não se pode ser contra uma idéia apoiada por
mais de cem países.
Ao falar na abertura da reunião, Lula fez um apelo
aos governos, organizações sociais, sindicatos
e empresas para que reafirmem e ampliem seus compromissos
com as Metas do Milênio e criem uma parceria global
para superar a pobreza:
"A pior resposta ao drama da fome é não
dar resposta nenhuma", disse Lula.
Em seu discurso, Lula afirmou que as Metas do Milênio
— de reduzir à metade até 2015 as pessoas
que vivem com menos de US$ 1 — são justas e viáveis,
mas podem virar letra morta por falta de vontade política
e alertou para os riscos que isso pode representar para a
comunidade internacional. Ele fez um apelo para que as promessas
dos países desenvolvidos, de investir nos países
em desenvolvimento, transformem-se em realidade, evitando
a frustração dos mais pobres:
"Não podemos permitir que isso aconteça.
Seria uma frustração tremenda para grande parcela
da humanidade, com danos gravíssimos à paz mundial.
Chegou a hora de tornar o compromisso palpável e operacional".
O presidente acrescentou que os países pobres precisam
fazer sua parte, para que os programas de combate à
fome e à pobreza sejam implementados com êxito.
Lula e os demais governantes, como Chirac, que disse que “é
preciso que os países pobres ponham ordem na casa para
receber a ajuda”, falaram sobre a importância
do combate à corrupção para que esse
esforço internacional não seja desvirtuado.
"Os países pobres e as nações em
desenvolvimento terão autoridade moral para cobrar
dos países ricos se não se omitirem internamente,
se fizerem a sua parte, se aplicarem de modo honesto e eficiente
seus próprios recursos no combate à fome e à
pobreza?", disse Lula.
HELENA CELESTINO
do jornal O Globo
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